CONTATO IMEDIATO
CAPÍTULO I
Personagens:
Arthur
Martha
Menino
Moça
Miguel
Mãe
Magno
Participações:
Transeunte
Velhinha
Funcionário 1
Secretária
Garçom
Atriz de espera
Jovem ator
Senhor
Senhor 2
Estranho
Cara do telefone
CENA 1
Exterior – dia
Câmera num supergrife, de carro, anda em fast, subindo por Santa Tereza. Chega diante de uma casa simples, tipo antiga, passa pelas janelas principais da casa até achar a janela basculante do banheiro. Desfoca na água que sai do chuveiro.
CENA 2
Interior – dia. Banheiro de Arthur.
Arthur está no banho todo ensaboado. Ouvimos o seu pensamento em off.
ARTHUR: (Em off, enquanto se enxágua.) É hoje! É a minha grande chance! Um ator de sucesso! Grana! Muita grana! Depois de tanto tempo. Tinha que pintar uma boa pra mim! O Miguel falou que o cara tava me esperando... Poxa, e eu sou um bom ator. Todo mundo fala. (Sai do chuveiro, pega a toalha e se esfrega, agitado. Começa a falar com o espelho.)
ARTHUR: É isso, meu filho. Vais sair do anonimato! (Se namorando.) Coisa linda do papai! Olhinhos de mel! Narizinho mais fofinho! E essa bonequinha? Irresistível (Dá um beijo no espelho.) Uau! (Entra Martha, cambaleante de sono, meio de mau humor.)
MARTHA: Ô, Arthur. Não dava pra fazer menos barulho? Me acordou...
ARTHUR: Não dava não. É hoje que eu tenho o encontro com o cara da TV.
MARTHA: Mas são 8 horas da manhã. Você não disse que ele falou pra você tá lá às 11?
ARTHUR : Não consegui dormir direito de excitação. E eu tenho que me preparar.
MARTHA: Vai de longo?
ARTHUR: Ah, não enche, Martha. Eu tenho que me apresentar legal... (Pondo vários desodorantes debaixo do braço.)
MARTHA: Nossa, que catinga! (Arthur pega o talco e enche as partes com o dito cujo.)
MARTHA: O cara vai ver isso também?
ARTHUR: Ah, Martha, volta pra cama. Vê se dorme.
MARTHA: Parece uma estátua grega. (Sai, rindo.)
CENA 3
Interior – dia. Quarto de bagunça.
Arthur veste várias roupas diferentes. Cortes descontínuos.
Cada roupa mais descombinada que a outra. Umas dez variações.
Enquanto troca seus “personagens”, vai pensando off.
ARTHUR: (off) Essa não... Muito gay... Brega!... Que dúvida... Melhor que mais ou menos... Assim parece que eu me arrumei todo... Não é legal... Pega até mal... Droga! Não tenho uma roupa comum... (Faz ainda alguns comentários a respeito e corta.)
CENA 4
Exterior – dia. Escadaria.
Arthur está o mais desconjuntado possível. Vai falar com o produtor.
ARTHUR: (Falando alto, com ele mesmo.) “É, eu fiz vários infantis no começo da minha carreira. Depois me dediquei sério ao teatro adulto.”... Não, aí vai parecer que eu não dava importância pro teatro infantil. “Eu adoro crianças, por isso que eu fiz tantos infantis. Fui indicado três vezes para o prêmio Mambembinho! Dei um pouco de azar... (decidido) tenho que aparecer forte! “Quero trabalhar!” (Passa um Transeunte Maltrapilho.) “Tenho que trabalhar!”
TRANSEUNTE: Eu também, meu irmão. Aliás, todo mundo!
ARTHUR: Ah, não amola, meu irmão! (Para ele mesmo de novo.) Talvez mais solícito. “Tô precisando muito desse emprego. Não me importo de começar por baixo... Por baixo? De baixo?... Do começo?” Ele vai pensar que eu sou um idiota... “Olha, eu pareço meio idiota, mas é só aparência. Na verdade eu sou um gênio”... (Passa um menino, escuta e começa a seguir Arthur.)
MENINO: O senhor é mesmo um gênio?
ARTHUR: Mais ou menos...
MENINO: Mais ou menos como?
ARTHUR: Às vezes eu me sinto um gênio.
MENINO: Eu também.
ARTHUR: (Se tocando.) Desculpe, garoto. Mas eu tô muito ocupado.
MENINO: Fazendo o quê?
ARTHUR: Ensaiando. (Dá um clique.) E você vai me ajudar. Senta aqui. (Os dois se sentam na escada.)
ARTHUR: Finge que você é um homem muito mau. (O menino faz uma pose de braços cruzados.)
ARTHUR: Perfeito. Agora eu sou um desempregado te pedindo trabalho. (Empostadérrimo.) Olha, na verdade eu não preciso desse emprego. É mais uma curtição. Gostou?
MENINO: Parece mentira.
ARTHUR: (Pior.) Eu tô aqui porque o Miguel me disse que você queria falar comigo. Talvez algum trabalho? Mas eu tenho que te avisar que eu tô meio sem tempo.
MENINO: É mentira.
ARTHUR: É, é mentira da braba. Mas eu não sei o que dizer...
MENINO: Diz a verdade.
ARTHUR: A verdade?
MENINO: É.
ARTHUR: É. Tchau, garoto. A verdade...
CENA 5
Exterior – dia. No metrô.
A estação está meio vazia. Acabou de passar um trem, e não
deu tempo de Arthur pegá-lo.
ARTHUR: A verdade... (Arthur está superexcitado, nervoso. Procura um cigarro; acende. Se toca que está debaixo de uma placa de “proibido fumar”. Fuma escondido, abanando a fumaça. Chega outro trem e está vazio. Só tem uma velhinha. Arthur se senta perto dela.)
ARTHUR: (off) A verdade. Vou dizer que não tenho dinheiro nem pra pagar o aluguel? Que não rola trabalho pra mim há três meses? Que eu tô desesperado? Eu tô desesperado!
VELHINHA: (Que tomou um bruta susto.) Seu idiota. Me assustou! Eu podia ter morrido do coração! Eu não sou mais criança...
ARTHUR: Me desculpe...
VELHINHA: Que desculpe, que nada! Você vai ver bem o que é bom pra tosse! Seu imbecil! Seu débil mental! Seu... (Saca o guarda-chuva e parte para cima dele.)
CENA 6
Exterior – dia. Metrô, no trem.
Arthur está segurando o braço que está machucado. O vagão está vazio. Arthur puxa outro cigarro do bolso, se escondendo não sabemos de quem. O trem para numa estação e entra uma moça. Arthur joga o cigarro no chão e apaga com o pé. Na descida do olhar, ele repara que, apesar de bem-vestida, a moça está descalça. Vemos, através do ponto de vista de Arthur, a silhueta da moça, dos pés à cabeça. Ela está impecavelmente bem-vestida. Não dá pra ver o seu rosto porque ela está de costas.
ARTHUR: (off) Nossa! Parece um anjinho... Parece que eu já conheço ela há cem anos ... Como me é familiar... Que alegria...
(BG de uma melodia superromântica.)
ARTHUR: (Vai se aproximando, pensando off.) Assim que deveria nascer uma paixão. De um esbarrão. De um alguém que você vê na rua. Sem nomes... passados... Só uma vontade irresistível de ficar junto... (Olha para os pés dela.) Mas será que ela não sente frio nos pés? (A moça se vira. Tem uma luz especial nela, meio fantástica, que faz ela ficar mais bonita. Arthur petrifica.)
MOÇA: Não, eu não sinto frio nos pés, Arthur.
ARTHUR: Arthur?
MOÇA: Não é o seu nome?
ARTHUR: ...
MOÇA: Tá tudo bem. Você vai se dar bem. Eu vou te ajudar.
ARTHUR: Quem é você?
MOÇA: Sou uma amiga...
ARTHUR: Mas eu não te conheço...
MOÇA: Tem certeza que não me conhece?
ARTHUR: Não.
MOÇA: Vai divertir o pessoal, Arthur.
ARTHUR: Eu procuro fazer o melhor.
MOÇA: Mas não esquece de se divertir também.
ARTHUR: Tá bem.
MOÇA: Tenha um pouco de paciência. Tenha paciência com você mesmo.
ARTHUR: Dizem que sou o meu pior inimigo.
MOÇA: Então seja mais amigo...
ARTHUR: Mas, por favor, me diz quem é você.
MOÇA: Agora não. Mais tarde. Não era você que não queria nomes?
ARTHUR: Você lê pensamentos?
MOÇA: Tchau, Arthur. Divirta-se (O trem para. A moça salta. Arthur fica entre ir e não ir atrás dela. Quando resolve persegui-la, ela já se misturou à multidão.)
ARTHUR: Ei! Espera! Ei! Vem cá! (No “Vem cá” entra um homem mal encarado no vagão. Arthur fica quieto.)
CENA 7
Interior – dia. Recepção do prédio da TV.
Arthur está no guichê de identificação. Está debruçado, mostrando vários documentos.
FUNCIONÁRIO: Eu vou ligar pra sala dele, pra saber se o senhor pode subir.
ARTHUR: Mas ele marcou comigo hoje.
FUNCIONÁRIO: Eu vou ligar. (Ao telefone.) Alô? Sônia? Tem um rapaz aqui querendo falar com o sr. Magno... Ele não chegou?...
ARTHUR: Eu espero, diz que eu espero...
FUNCIONÁRIO: Ele quer esperar...
ARTHUR: Lá...
FUNCIONÁRIO: Ah, deixa eu ver... (A Arthur.) Me dá a sua identidade. (Lendo.) Luiz Arthur Inácio Gomes.
ARTHUR: Arthur Gomes. Quem me mandou vir aqui foi o Miguel Aranha...
FUNCIONÁRIO: Quem mandou foi o Miguel Aranha... A secretária do sr. Magno não conhece nenhum Miguel Aranha.
ARTHUR: Fez “É muita mentira”.
FUNCIONÁRIO: Diz que fez “É muita mentira”. “É muita mentira”?
ARTHUR: Uma novela. Tem uns dois anos...
FUNCIONÁRIO: (Ao telefone.) Deixa subir?
ARTHUR: Por favor...
FUNCIONÁRIO: Tá legal. Me dá a sua identidade. (Pega. Dá um crachá pra ele.) Põe o crachá no bolso da camisa. Pega aquele elevador ali. É no terceiro andar, sala 313. (Arthur se olha. Sua camisa não tem bolso. Engrouvinha a camiseta e tasca o crachá.)
CENA 8
Interior – dia. Antessala de Magno.
Uma secretária está sentada a uma mesa. Há um sofazinho e uma cadeira. No sofá está sentada uma jovem atriz, esperando.
ARTHUR: Eu sou o Arthur Gomes. Eu vim falar com o Magno.
SECRETÁRIA: Senta... Eu não sei quando o sr. Magno vai chegar, não. É capaz dele nem vir aqui hoje...
ARTHUR: Tudo bem... (Senta-se na cadeira e olha o relógio da parede; está marcando 9 horas.)
CENA 9
Interior – dia. Antessala de Magno.
A câmera corrige do relógio, que está marcando 9:35. Vai para Arthur, que ainda está inteirão, na medida do possível. Entra um garçom com uma bandeja de cafezinhos.
SECRETÁRIA: Vocês querem um café?
ATRIZ: Eu não bebo café.
ARTHUR: Eu vou aceitar. (Pega uma xícara.) Obrigado. Vem cá, a que horas o Magno costuma chegar?
ATRIZ: Nunca...
SECRETÁRIA: Ele não tem hora pra chegar, não.
ARTHUR: Tá legal.
CENA 10
Interior – dia. Antessala de Magno.
Magno entra às pressas. Nem fala com a secretária. Arthur arrisca um sinalzinho de “olá”, mas é tão tímido que ninguém vê.
ARTHUR: Fala pra ele que eu tô aqui.
SECRETÁRIA: Como é mesmo o seu nome?
ARTHUR: Arthur, Arthur Gomes. (Toca o telefone e ouvimos a voz de Magno através do aparelho.)
MAGNO: (Em off, bravo.) Eu não tô pra ninguém, dona Sônia!
SECRETÁRIA: (Aos dois.) Ouviram, né? O homem tá zangado.
CENA 11
Interior – dia. Antessala de Magno.
O relógio marca 11 horas. Vários takes do garçom abrindo a porta da sala com a bandeja na mão, servindo cafezinhos. Arthur toma uns seis cafés.
ARTHUR: Nossa! Nunca tomei tanto café na minha vida. (A atriz ao lado sorri, maliciosa.)
CENA 12
Interior – dia. Antessala de Magno.
O relógio marca 15 para o meio-dia. Arthur já está meio troncho. A atriz está impassível. Entra outro jovem ator.
JOVEM: Eu vim falar com o Magno.
SECRETÁRIA: Esses dois estão na sua frente. Espera aí. (O jovem ator senta-se no sofá, ao lado da atriz. Arthur continua
na sua cadeira. Entra um senhor e vai direto pra porta de Magno.)
SECRETÁRIA: Ele tava te esperando. Tá danado. (O senhor entra. Ouvimos os berros de Magno lá de dentro.)
MAGNO: (Off, gritando.) Tu é um safado mesmo! Mas cabeças vão rolar! ... Quero que se danem! Todos se danem! Eu não sou palhaço não! (Na sala as pessoas vão se encolhendo de medo. Arthur rói as unhas.)
MAGNO: (off) Eu mato!... É um ator idiota mesmo! Aliás, ator é tudo idiota! ...Palhaçada! Ele é que não ouse vir aqui falar comigo! ...Eu bato nele! ... E quando eu digo que bato, bato mesmo! Você sabe disso! (Ouvimos coisas quebrando lá dentro.) Porcaria! Tudo porcaria! Hoje eu tô com a macaca!
CENA 13
Interior – dia. Antessala de Magno.
Tem uma velhinha sentada na cadeira de Arthur. Arthur está de pé. A secretária se levanta pra sair.
SECRETÁRIA: Bom, pessoal, eu não sei de vocês, mas eu vou almoçar que eu estou morta de fome. Já é 1 hora. (Todos olham pro relógio.) Se alguém ligar, algum de vocês podia pegar o recado pra mim? (Arthur singelamente levanta o braço.) Obrigada, amor...Tchau, gente.
CENA 14
Interior-dia. Antessala de Magno.
Arthur está só na sala, atendendo o telefone.
ARTHUR: (Ao telefone.) Não, ele não está não... Não sei, saiu tão depressa... Não tem mais ninguém aqui... Liga mais tarde... Tá legal, eu anoto... Diz o número de novo... Ok... Pra você também... (Entra um estranho na sala.)
ESTRANHO: O Magno está aí?
ARTHUR: Foi almoçar.
ESTRANHO: Que horas ele volta?
ARTHUR: Tô por fora.
ESTRANHO: Quem é você?
ARTHUR: Arthur Gomes. Prazer...
ESTRANHO: Prazer. (Sai o estranho. Toca de novo o telefone. Arthur atende.)
ARTHUR: Sala do dr. Magno... Ele não está... Eu anoto.
CENA 15
Interior – dia. Antessala de Magno.
O relógio dá a passagem de tempo. O ponteiro gira de 2 até 5 da tarde. Arthur segura a barriga. A secretária está na sala.
ARTHUR: Não aguento mais de fome.
SECRETÁRIA: Vai comer alguma coisa...
ARTHUR; Deus me livre! Depois o homem fica livre pra falar comigo e eu não tô aqui...
ATRIZ: Ah, ah...
ARTHUR: Eu não posso perder essa chance.
ATRIZ: Pode, sim...
ARTHUR: Você também tá esperando pra falar com o Magno?
ATRIZ: Tô.
ARTHUR: Há quanto tempo?
ATRIZ: Uns três meses.
SECRETÁRIA: (Corrigindo.) Três e meio.
ARTHUR: Nossa!
CENA 16
Interior – dia. Antessala de Magno.
O relógio da sala marca 6 horas. A secretária prepara-se para sair. A atriz muito calmamente se arruma. Acena um adeusinho para a secretária. Toca o interfone e ouvimos a voz de Magno.
MAGNO:(off) Dona Sônia, pede pra tirar o meu carro da garagem. Se tiver alguém me esperando, pede pra voltar amanhã...
SECRETÁRIA: Ouviram? (A atriz, conformada, nem responde. Vai se despachando.)
ARTHUR: Mas eu só queria dar uma palavrinha com ele.
SECRETÁRIA: Ah, você ouviu, meu filho. (Vai saindo da sala.) (Por um instante, Arthur fica sozinho na sala. De repente,
sai Magno da sua sala, com a maior pressa. Parece um relâmpago. Arthur consegue segurá-lo na porta.)
MAGNO: Que é isso?
ARTHUR: O senhor me desculpa, mas o Miguel Aranha disse que tinha falado de mim pro senhor e que hoje o senhor falou pra ele que eu podia vir aqui...
MAGNO: Ah, eu sinto muito. Hoje não dá mesmo. Faz o seguinte: volta amanhã de manhã que eu acho que eu vou estar mais desocupado.
ARTHUR: Olha, eu sou ator e tô precisando trabalhar. Eu aceito qualquer coisa...
MAGNO: Tudo bem, rapaz, mas hoje não. Passa amanhã que a gente conversa. (Sai rápido.)
ARTHUR: (Sozinho.) Amanhã a que horas? (Ouvimos a voz de Magno fora da sala.)
MAGNO: Às 9 horas!
CENA 17
Exterior – fim da tarde. Calçadão da praia.
Arthur passeia, desanimado, como se estivesse chutando lata. Senta-se num banco. A moça misteriosa do metrô acena da areia.
MOÇA: Amanhã! Tenha paciência! (Arthur corre até a areia, mas a moça já desapareceu.)
CENA 18
Exterior – dia. Orelhão.
Arthur espera um cara terminar a sua ligação.
CARA: É a sua!... Não enche!... Ah, quer saber de uma coisa?... Vai tomar no... Desligou. (A Arthur.) Ô, meu irmão, o telefone
tá péssimo.
ARTHUR: Eu também... (Disca. Ouvimos os ruídos de chuvisco do telefone. Do outro lado do aparelho está Miguel. Pode estar numa cadeirinha ao lado do orelhão, mas é como se ele estivesse em
casa.)
MIGUEL: Alô! Alô! Quem é? Alô!... Não tô escutando nada!
ARTHUR: Miguel? É o Arthur! A R T H U R !!!
MIGUEL: E aí? Tudo bem? Como foi com o cara?
ARTHUR: Não foi ...Ele não me atendeu.
MIGUEL: Você nem viu ele?
ARTHUR: Vi.
MIGUEL: E então?!
ARTHUR: Ele pediu pra eu voltar amanhã... Mas eu acho que não vai dar em nada.
MIGUEL: Que nada. É assim mesmo. Não desiste, não. Eu vou falar com um cara que conhece ele melhor, pra esse cara dar um toque nele...
ARTHUR: Faz isso, Miguel. Eu tô desesperado...
MIGUEL: Pode deixar... E o resto?
ARTHUR: Tudo indo. Ah, teve um negócio super estranho que aconteceu: comigo hoje... Preciso... (O ruído piora muito, fica quase inaudível.) Me liga à noite... O telefone tá péssimo...
MIGUEL: (Se levanta, pra falar mais alto, e fica quase do lado de Arthur.) Tá legal! Tchau! Até a noite!
ARTHUR: (Tapando o ouvido.) Não grita, pô! Me liga. Tchau.
CENA 19
Exterior – noite. Escadaria.
Arthur, exausto, sobe a ladeira. Logo no comecinho está aquele menino que ele encontrou de manhã.
MENINO: E aí? Deu certo? Falou a verdade?
ARTHUR: Não deu tempo.
MENINO: Que chato...
ARTHUR: Chato pacas... (Senta-se ao lado dele.) Tô com uma fome.
MENINO: Quer um chiclete?
ARTHUR: Quero.
MENINO: (Tira o chiclete do bolso.) Um cruzado novo.
ARTHUR: Muito caro.
MENINO: Minha mesada tá curta, não dá para facilitar.
ARTHUR: Pô, e eu tô duro...
MENINO: Eu penduro pra você. (Dá o chiclete para Arthur.)
ARTHUR: Brigado.
MENINO: Tá limpo. Mas a partir de amanhã tá correndo juros. É bom pagar logo... Senão depois...
ARTHUR: Poxa, você é fogo, hein, garoto?
MENINO: Eu sou fogo? Esse país é que tá mal...
ARTHUR: Podes crer.
CENA 20
Interior – noite. Apartamento de Arthur.
Arthur entra em casa meio catatônico, mascando chiclete. Martha está eufórica. O clima dos dois não combina em nada.
MARTHA: E aí, e aí!? Diz, diz logo. Rolou? Falou com o cara? Foi legal? Tá empregado? Ele é durão mesmo? Dizem que esse cara é uma barra! Mas, em compensação, manda pacas, não é? Poxa, diz que ele bota qualquer ator pra baixo, ou pra cima! Né, amor? Fala logo, Arthur! Eu tô ficando nervosa...
ARTHUR: Não amola, Martha. (Arma a maior tromba.)
MARTHA: (Se dependurando no pescoço dele.) Ô, amor, que foi? Fala para mim... O cara não te atendeu? Ele não tava lá? Diz logo!
ARTHUR: Martha, para de falar um pouco, por favor.
MARTHA: Tudo bem, vou ficar quieta... (Emburra.)
CENA 21
Interior – noite. Apartamento de Arthur.
Cena de clima do casal. Martha está sentada no sofá da sala, enquanto Arthur lê ostensivamente o jornal na cara dela. Corta para os dois se esbarrando no corredor sem se falar. Corta para Arthur fazendo a barba, enquanto Martha quase decide falar com ele e desiste, irritada. Corta para Arthur na cozinha, lavando a louça enquanto pragueja e Martha, na sala, tapa os ouvidos. Corta para Arthur deitado na cama. Martha vem e deita ao seu lado. Os dois viram de costas um para o outro.
CENA 22
Interior – noite. Apartamento de Arthur.
Ouvimos as vozes lá de dentro do quarto.
MARTHA: (off) Por que você disse aquilo?
ARTHUR: (off) Não foi aquilo que eu quis dizer...
MARTHA: (off) Ah! Sei! Agora você diz o que não quer dizer!
ARTHUR: (off) Você me entendeu mal!
MARTHA: (off) Nem mal, nem bem! Eu não entendi por que você disse aquilo!? (Abrem a porta e saem discutindo.)
ARTHUR: Ô meu Deus! Eu não falei nada!
MARTHA: Então eu imaginei?! Tô louca?!
ARTHUR: Eu não falei que você tá louca!
MARTHA: Eu não disse que você falou que eu tava louca!
ARTHUR: Então, o que que você disse?!
MARTHA: Eu disse que não gostei do que você falou!
ARTHUR: Se eu falei alguma coisa que você não gostou é porque antes você deve ter dito alguma coisa que eu não gostei.
MARTHA Por quê?!
ARTHUR: Porque eu não começo discussões!
MARTHA: Mas o que que eu disse que você não gostou?!
ARTHUR: Quando?
MARTHA; Antes de você ter me dito o que eu não gostei.
ARTHUR: Mas eu não falei nada.
MARTHA: Então por que tá me falando isso agora?!
ARTHUR: Pra ver se você cala essa boca!
MARTHA: Você não me mande calar a boca que eu não sou criança!
ARTHUR: Chega! Chega! Não dá pra conversar com você!
MARTHA: Claro, de boca calada não dá pra conversar com ninguém!
ARTHUR: Fala! Fala logo tudo que você pensa.
MARTHA: Eu já falei que não gostei do que você me disse!
ARTHUR: Mas o que é que eu te disse!?
MARTHA: Você sabe!
ARTHUR: Juro que não sei. Juro!
MARTHA: Jura mesmo?
ARTHUR: Juro. Diz.
MARTHA: Não me lembro mais.
ARTHUR: Então por que a gente tá discutindo?
MARTHA: Sei lá...
CENA 23
Toca o telefone; Arthur sai correndo. Martha fica chapada sem entender nada. O telefonema é uma linha cruzada. Estão
nos outros aparelhos: D. Mirtes, mãe de Arthur, Miguel, a secretária de Magno e uma voz distante que não dá pra identificar, parece engano. Vemos todos os personagens como se estivessem na sala de Arthur, mas cada um está na sua própria casa.
ARTHUR: Alô.
SECRETÁRIA: Alô.
MÃE: Oi, meu filho.
MOÇA: Oi, oi!! (Imagem meio apagada.)
ARTHUR: Tá a maior linha cruzada. Fala um de cada vez.
MÃE: Ô, meu filho, que saudades!
ARTHUR: Oi, mãe, é você?...
MÃE: É.
MIGUEL: É o Miguel.
SECRETÁRIA: Arthur Gomes, é da TV.
ARTHUR: (Para Martha.) É da TV!! Mãe, desliga!
MARTHA: Mãe?!
ARTHUR: (Para Martha.) Linha cruzada!
MIGUEL: Vão te ligar da TV.
ARTHUR: Eu sei, já estão ligando.
SECRETÁRIA: O sr. Magno quer você no estúdio amanhã ás 9 horas.
MÃE:Que estúdio é esse, meu filho? Não me diga que você.
ARTHUR: Se a senhora desliga, quem sabe.
MOÇA: Oi.
MIGUEL: Eu tô ouvindo. Que bom, hein, Arthur?
ARTHUR: Pois é!
MÃE: Tá bom, eu desligo. Não sei como você consegue ser tão frio comigo, meu filho!
ARTHUR: Desculpa, mãe.
SECRETÁRIA: Entendeu?
ARTHUR: Entendi. (Para a mãe.) Tchau, mãe.
SECRETÁRIA: Tchau, Arthur.
MIGUEL: Quer que eu desligue?
ARTHUR: Agora não. Tudo bem!
MIGUEL: Então, rolou?
ARTHUR: Rolou!
MOÇA: Rolou!
MIGUEL: Quem é ela?
ARTHUR: Não sei!
MIGUEL: E o que que aconteceu hoje?
ARTHUR: Uma moça. (Falando baixo para Martha não sacar.) A moça da peça.
MIGUEL: Que peça?
ARTHUR: Aquela...
MIGUEL: Ah, saquei. A Martha tá aí.
ARTHUR: Tá.
MOÇA: Eu não disse?
MIGUEL: Quem é ela?
ARTHUR: “Ela” tá na linha!
MIGUEL: Na linha?
ARTHUR: É.
MOÇA: Estou.
ARTHUR: Desliga, Miguel, por favor.
MIGUEL: Tá legal...
ARTHUR: Fala, pode falar.
MOÇA: (Com a voz super limpa e a imagem também.) Não tem o que falar. É isso mesmo...
ARTHUR: Obrigado.
MOÇA: De nada.
ARTHUR: Onde eu te vejo?
MOÇA: Você vai ver. Fica calmo amanhã.
ARTHUR: Pode deixar.
MOÇA: Até logo. Arthur. Até... (Desliga.)
MARTHA: Quem eram?
ARTHUR: O Miguel, a secretária do dr. Magno, mamãe e...
MARTHA: Quem?
ARTHUR: Não sei!
CAPÍTULO II
Personagens:
Arthur
Moça
Menino
Miguel
Martha
Mãe
Participações:
Secretária
Funcionário
Atriz
Outra
Jorge
Senhor do apto. 903
Dr. Mário
Gata (off)
CENA 1
Interior – dia. Fundo infinito: céu.
Ao som de uma música empolgante, Arthur e a Moça voam livremente. Arthur está vestido de cavaleiro medieval, com uma capa grande, que poderia ser do Super-Homem, do Zorro, ou dar a impressão de uma espécie de asa. Seus cabelos estão revoltos. A Moça está com aquela roupa típica de mulher desejada em sonho de homem, ou seja: tipo grega, esvoaçante, transparente e decotada. Os dois estão com uma cara super feliz. Parece aquela cena do Super-Homem voando com a Miriam Lane. No fundo pode ter um belo croma-key de céu, e no chão uma fumaça tipo fog. Deslizantes, Arthur e a Moça uma hora começam a descer. Pousam, valsam por esse chão de fumaça. A coisa fica boa, os dois
se abraçam com força, se beijam apaixonados. Deitam-se devagar, sensualmente. Se abraçam e se beijam no chão.
ARTHUR: Você é linda.
MOÇA: Você é lindo.
ARTHUR: Eu preciso tanto de você.
MOÇA: Eu vou te ajudar, Arthur.
ARTHUR: (Abraça ela forte.) Me ajuda...
MOÇA: (Afagando-o) Calma, tá tudo bem.
ARTHUR: Mas eu tenho tanto medo.
MOÇA: Tenha esperança.
ARTHUR: Eu vivo de esperança...
MOÇA: Eu te amo!
ARTHUR: Eu te amo! (Nesse “Eu te amo”, Arthur, que estava dormindo, agarra o travesseiro e cai da cama.)
CENA 2
Interior – dia. Quarto de Arthur.
Arthur está no chão, agarrado no travesseiro. Olha o relógio e saca que está atrasado.
ARTHUR: Droga! Só podia ser sonho mesmo... Tava bom demais pra ser verdade. Droga! Droga! Droga! Tô arrasado!
CENA 3
Interior – dia. Banheiro de Arthur.
Arthur está fazendo a barba e se cortando todo. Sonolento, percebe que no espelho tem um bilhete grudado, de Martha, com uma marca de batom. Arthur lê o bilhete fazendo uma vozinha chata, imitando com deboche a mulher.
ARTHUR: “Amor, sua mulherzinha te deseja um bom começo de trabalho. Sempre soube que você era um grande ator. Agora todo mundo vai saber também. Mil beijinhos... ,smack, smack... Sua fã, Martha.” (Para si.) Nossa! Que coisa mais idiota! Por que que mulher tem que ser assim? Não é à toa que homens dominaram elas por tanto tempo!
CENA 4
Exterior – dia. Escadaria.
Arthur desce a escada voando. Passa pelo menino sem lhe dar muita atenção. Na verdade, nenhuma. O menino ainda tenta falar com ele, mas fica sozinho.
MENINO: Conseguiu? Ei! Deve ter conseguido... Você me deve um cruzado reajustado e com juros!
CENA 5
Exterior – dia. Porta do estúdio.
Arthur é barrado por outro funcionário.
ARTHUR: Deixa eu entrar logo. Eu já estou atrasado...
FUNCIONÁRIO: Gravar o quê?
ARTHUR: Não sei. Me avisaram ontem. O telefone tava péssimo. Eu só sei que eu tinha que estar aqui às 9 horas.
FUNCIONÁRIO: São 10 e 15.
ARTHUR: Pois é, eu sei. Foi o trânsito.
FUNCIONÁRIO: Sabe o que que é? O seu nome não tá na lista de quem vai gravar hoje. Você não tem nenhum crachá...
ARTHUR: Foi o Magno que mandou...
FUNCIONÁRIO: Seu Magno? Vou ligar pra secretária dele. (Pega o telefone.) Alô? Oi, dona Sônia... Tem um rapaz aqui... Diz que foi o dr. Magno que mandou... É, diz que é ator... (Para Arthur.) Sua graça?
ARTHUR: Arthur, Arthur Gomes.
FUNCIONÁRIO: Arthur Gomes. Sei... Sei... Sei... Tô entendendo...Pode deixar. Tchau, Sônia. Pros seus também. (Para Arthur.) É pro senhor ir pra sala dele.
ARTHUR: Mas eu tenho que gravar.
FUNCIONÁRIO: Grava lá.
ARTHUR: Não é possível...
FUNCIONÁRIO: Eu, se fosse o senhor, ia pra lá.
ARTHUR: (Saindo.) Eu também. Se eu fosse eu mesmo, eu ia pra lá.
CENA 6
Interior – dia. Antessala de Magno.
Estão na sala a secretária e aquela atriz do capítulo anterior. A atriz está do mesmo jeito, impassível, uma estátua.
SECRETÁRIA: Oi, Arthur. Obrigada por ter anotado os recados ontem.
ARTHUR: O que é que houve?
SECRETÁRIA: Como assim?
ARTHUR: Você não falou pra eu estar no estúdio hoje às 9 horas?
SECRETÁRIA: Desculpe. Eu me enganei. O seu Magno queria que você falasse com o assistente dele...
ARTHUR: Quem é?
SECRETÁRIA: Não sei. São tantos. Mas o seu Magno tá chegando. Pode deixar que eu pergunto pra ele. Senta aí. (Arthur senta, desconfiado.)
CENA 7
Interior – dia. Antessala de Magno.
O relógio marca meio-dia.
ARTHUR: (Para a atriz.) Poxa, como você consegue ficar tão, tão, tão... impecável?
SECRETÁRIA: É incrível mesmo. Essa menina é de uma força de vontade invejável.
ARTHUR: Mas diz?!
ATRIZ: Eu sou uma atriz muito concentrada.
CENA 8
Interior – dia. Antessala de Magno.
O relógio marca 1 hora. A secretária se prepara pro almoço. Arthur também se levanta.
SECRETÁRIA: Aonde você vai?
ARTHUR: Fazer a mesma coisa que você. Vou almoçar.
SECRETÁRIA: Não vai esperar o seu Magno?
ARTHUR: Não. Hoje eu não vou morrer de fome por causa desse homem.
SECRETÁRIA: Poxa, eu já tava contando com você.
ARTHUR: Pra telefonista? Não, senhora. Chega. Não vai rolar mais nada daqui mesmo.
SECRETÁRIA: Você é quem sabe... (Para a atriz.) Você fica hoje, meu bem? (A atriz acena que sim. Os dois saem.)
CENA 9
Exterior – dia. Calçada da praia.
Arthur anda firme, furioso. Dá um murro num poste e machuca a mão, claro.
CENA 10
Exterior – dia. Praia, na areia.
Arthur está sem camisa, sentado na areia. Cabeça baixa. Pensa off.
ARTHUR: Ô moça, onde quer que você esteja... Me ajuda... Por favor! (Arthur levanta os olhos e a vê na sua frente. Ela está com a mesma roupa da primeira cena, e descalça. Arthur não fica aflito, e os dois têm um diálogo através de gestos. Um “ok” aqui, um “mais ou menos” de lá. Um “calma”, um “me ajuda?”, um “pode deixar.” Acaba esse papinho, ela sorri pra ele; ele retribui. A moça se desintegra.)
CENA 11
Exterior – dia. Uma rua qualquer.
Arthur está andando e de repente vê de costas uma moça com a mesma roupa da “moça”, o cabelo igual. Pode ser a mesma atriz de costas. Ele parte pra cima dela.
ARTHUR: (Pegando nela de costas.) Eu te amo! (Ela se vira e é outra pessoa.)
OUTRA: (Puta.) Atrevido!
ARTHUR: Desculpe, eu confundi você com uma moça dos meus sonhos. Ela me ama.
OUTRA: Pois eu não, e sou bem real. Meu namorado também. (Chamando.) Jorge! Jorge! (Aparece o tal Jorge. É um muro de forte.)
OUTRA: Jorge, esse idiota disse que me ama.
JORGE: Que negócio é esse rapaz?
ARTHUR: Eu confundi ela, desculpe...
OUTRA: Com a moça que ele sonha. Ele me agarrou, Jorge!
ARTHUR: Foi um mal-entendido. Você não tem nada a ver com ela...
JORGE: Mal-entendido você vai ver agora (Dá um murro em Arthur. O ponto de vista é de Arthur; só vemos a mão fechada vindo em direção à câmera.)
CENA 12
Interior – noite. Quarto de Arthur.
O quarto está todo desarrumado, como se tivesse acontecido uma briga. Os dois estão completamente descontrolados.
ARTHUR: (Gritando.) Eu quero me separar!
MARTHA: (Gritando mais alto que ele.) Sou eu quem quer! (Clima horrível. Os dois relaxam depois desse último rompante e caem na cama meio choramingando.)
MARTHA: Vai ser melhor pra gente. Depois, a gente juntos acaba brigando sempre.
ARTHUR: É a melhor coisa que a gente pode fazer agora. (Pausa longa.)
MARTHA: Arthur, eu sei que a gente construiu essa casa juntos. Mas eu acho que quem deve sair é você.
ARTHUR: Pra onde? Não, Martha. Até a gente encontrar uma solução melhor, eu achava que você podia muito bem passar um tempo na casa da sua mãe.
MARTHA: Por que não vai você pra casa dos seus pais?
ARTHUR: Porque eles moram em Campinas, você sabe disso.
MARTHA: Eu não volto pra casa da minha mãe por nada desse mundo. Depois, é uma tremenda humilhação. Eu saí de lá pra casar com você. Parece que você não gostou e agora tá me devolvendo.
ARTHUR: Não parece nada disso, Martha. Parece que a gente se separou, e um de nós não tem onde morar.
MARTHA: E esse um de nós não sou eu por acaso?
ARTHUR: Provisoriamente. Até a gente achar um ap pra um de nós morar.
MARTHA: Pra você morar. Sabe quanto tá custando um aluguel novo hoje em dia?
ARTHUR: Ah, não, quando a gente achar um apartamento, eu acho justo que você vá morar lá. Afinal de contas eu já morava aqui antes da gente se casar.
MARTHA: E eu vou pagar com o quê? Você sabe que com que eu ganho não dá pra pagar um aluguel de uma vaga em Vila Valqueire.
ARTHUR: Você precisa ganhar mais.
MARTHA: Diz isso pro meu chefe.
ARTHUR: Tudo bem, eu me mudo. Mas eu vou levar as minhas coisas.
MARTHA: Tudo? Você vai levar as minhas coisas.
ARTHUR: Martha, é meu!
MARTHA: E eu vou ficar com (contabilizando) o fogão velho, meia máquina de lavar, dois tapetes, os talheres, os lençóis de cama que a mamãe deu pra gente... (Clique.) Ah, o som, o som é meu.
ARTHUR: Parte dele, porque o amplificador é meu.
MARTHA: (Volta à contagem.) E eu vou comer no chão... dormir no chão... sentar no chão... Obrigada, Arthur, foi um grande negócio.
ARTHUR: O que é que você quer que eu faça?
MARTHA: Eu sabia que essa história de casar com um homem que já tinha casa montada era uma roubada. Eu não pude ganhar um presentinho da minha família! Você já tinha tudo.
ARTHUR: Tudo bem, eu te ajudo a comprar algumas coisas pra sua vida nova. Mas agora você sabe que não dá. Se rolar o negócio da TV... Eu já vou ter que rebolar pra comprar outro som. E você sabe que eu não vivo sem som.
MARTHA: Não vem não, hein? A única coisa que eu tenho de solteira é o meu som.
ARTHUR: Eu não tô pedindo nada.
MARTHA: Não sei se você percebeu, Arthur. A gente não tem condições financeiras pra se separar.
ARTHUR: E o que é que a gente faz?
MARTHA: Vamos trabalhar muito, fazer hora extra. Aceitar qualquer bico, pra ver se a gente arruma o dinheiro mais depressa, o suficiente pra se separar o mais depressa possível.
ARTHUR: De repente, daqui a uns dois meses...
MARTHA: Duvido! Do jeito que está esse país... Só no final do ano.
ARTHUR: Tomara.
MARTHA: Tomara. Já pensou a gente ter que ficar juntos por falta de grana? Pro resto da vida!?
ARTHUR: Deus me livre!
MARTHA: Mas que fica mais em conta, fica.
ARTHUR: Dá até pra fazer uma economia...
MARTHA: Só paga uma empregada...
ARTHUR: Só faz um supermercado...
MARTHA: Um aluguel rachado...
ARTHUR: É, bom negócio...
MARTHA: Nada mal... (Pausa, pensam um pouco.)
OS DOIS: Mas não dá mais! A gente ia se matar!
CENA 13
Exterior – noite. Uma rua qualquer.
Arthur passeia assoviando, feliz da vida. Um homem livre. Dá pulinhos, cantarola ”Free Again”. Se excita ao máximo, se
cansa e começa a ficar meio triste com a situação. Volta pra casa cabisbaixo.
CENA 14
Interior – noite. Sala de Arthur.
Arthur está sentado no sofá com o abajur aceso do lado; só o abajur. Toca uma música na vitrola, “Every time we say good-bye”, cantada pelo Ray Charles. Arthur lê um bilhete de Martha. A voz é de Martha.
MARTHA: “Arthur, fui dar uma volta pra pensar um pouco... espairecer... Sei lá... Fiquei com pena de mim, de você. Sei lá... falei com uma amiga minha e de repente dá pra eu ficar um tempo na casa dela... De qualquer jeito, hoje venho dormir aqui... A gente viveu bons momentos, né? Um beijo, Martha.”
ARTHUR: Foram bons momentos... Vou sentir falta... Que pena. É melhor assim... Mas eu tô triste.
CENA 15
Interior – noite. Hall do apartamento do Miguel.
Hall do elevador. 4 portas: 901, 902, 903 e 904. Arthur toca no 903. Atende um senhor.
ARTHUR: (Entrando.) Quero falar com o Miguel.
SENHOR: (Barrando.) Vai ficar querendo!
ARTHUR: Que que é isso, meu amigo?
SENHOR: Isso é uma invasão de domicílio! Ou quase...
ARTHUR: Cadê o Miguel?
SENHOR: Não sei, mas deve estar na casa dele.
ARTHUR: Que apartamento é esse?
SENHOR: É o meu. O 903.
ARTHUR: E então?
SENHOR: Então o quê? O sr. Miguel é no 904.
ARTHUR: Me desculpe, é que eu tô me separando... E... E...
SENHOR: Eu sinto muito.
ARTHUR: Pois é, eu também. Acho que vai ser bom pra nós.
SENHOR: Bom, se você acha?!...
ARTHUR: Mas, mesmo assim, a gente fica triste...
SENHOR: Não sei. Nunca me casei.
ARTHUR: E como o senhor aguenta?
SENHOR: Eu me aguento bem!
ARTHUR: Parabéns!
SENHOR: Obrigado.
ARTHUR: Desculpe o incômodo.
SENHOR: Não, está tudo bem, mas agora me dá licença...
ARTHUR: Claro!
SENHOR: (Fechando a porta.) Boa sorte.
ARTHUR: (Só, no hall.) Obrigado.
CENA 16
Interior – noite. Hall do apartamento do Miguel.
Em frente ao 904. Toca a campainha. Ninguém atende. Toca de novo. De novo. Toca umas cinco vezes e aparece Miguel se vestindo, assustado.
MIGUEL: O que que foi?
ARTHUR: Eu e a Martha vamos nos separar.
MIGUEL: Poxa, que chato!
ARTHUR: Acho que é melhor.
MIGUEL: Então... que bom!
ARTHUR: Mas parece assim, eu tô triste.
MIGUEL: Que pena!
ARTHUR: (Percebendo.) Tô atrapalhando alguma coisa?
MIGUEL: Mais ou menos. Tem uma “gata” lá dentro.
ARTHUR: Então eu vou embora...
MIGUEL: Não, tudo bem. Senta aí. (Sentam no chão do hall.)
MIGUEL: E aí? É por causa da tal moça?
ARTHUR: Não. Eu nem conheço ela. Acho que eu tô ficando louco, cara. Comecei a imaginar essa moça!...
MIGUEL: Tá delirando?
ARTHUR: Mais ou menos...
MIGUEL: Bicho! E agora?
ARTHUR: Tudo bem. Acho que o delírio faz parte desse movimento da separação.
MIGUEL: E a Martha?
ARTHUR: Tá super triste. Aliás, eu também... sabe? Eu não quero mais ficar com ela. Mas tô com medo de ficar sozinho.
MIGUEL: Olha, vou falar de cadeira. É fogo ser solteiro!
ARTHUR: Eu imagino. Mas é fogo ficar mal casado.
MIGUEL: Deus me livre!
ARTHUR: Se correr o bicho pega, se ficar o bicho come.
MIGUEL: E você acha que não tem mais jeito?
ARTHUR: Acho!
MIGUEL: Então, relaxa, cara. Daqui a pouco melhora. Mas e a moça do delírio? Eu acho que ouvi a voz dela no telefone...
ARTHUR: Acha?
MIGUEL: Sei lá, tinha tanta gente...
ARTHUR: Volta pra sua gata. Eu acho que eu tenho que ficar um pouco sozinho. Eu vou indo.
MIGUEL: Poxa, se não fosse a gata, eu te fazia companhia.
ARTHUR: Tudo bem. Um abraço?! (Arthur e Miguel se abraçam. Ouvimos a voz da gata lá de dentro.)
GATA: (off) Miguel, quem é? Volta logo!
ARTHUR: Tchau!
MIGUEL: Tchau. Qualquer coisa me liga. Mas liga amanhã. Hoje não dá mesmo!
ARTHUR: Tudo bem. Valeu
CENA 17
Interior – noite. Sala de Arthur.
Arthur, ainda triste, pega o telefone e disca. Vai falar com a mãe. A mãe está no mesmo cenário, sentada numa bergère, como se fosse na casa dela.
ARTHUR: Alô... Alô. Eu queria falar com a dona Mirtes. Ela está?
MÃE: Ô, meu filho, não reconhece mais a voz da sua mãe?
ARTHUR: Desculpa, mãe, mas é que eu estou meio desorientado. Não reconheci a sua voz.
MÃE: Vocês, filhos, são uns ingratos mesmo. Mas você, Arthur, eu desculpo. Sempre foi distraído. Eu me lembro quando você tinha cinco anos...
ARTHUR: Mãe, posso falar um pouco com a senhora?
MÃE: E o que é que estamos fazendo?
ARTHUR: Eu sei, mãe, mas é que eu queria falar um pouco de mim.
MÃE: Claro, meu amor, pra que é que servem as mães? Pra ouvir seus filhinhos. E por falar ouvir, você sabia que seus pai não está ouvindo mais nada?
ARTHUR: Mãe.
MÃE: Ô, meu anjo, diz pra sua mãe o que é que está afligindo?
ARTHUR: Eu e a Martha...
MÃE: Nem me conta... Já sei, vou ser vovó...
ARTHUR: Não, mãe, você não vai ser vovó...
MÃE: Ah, Arthur, eu queria tanto ser avó. Todas as minhas amigas já são avós, só eu que não sou. Eu não sou contra vocês
aproveitarem a juventude... Mas, eu acho que vocês já esperaram demais, daqui a pouco...
ARTHUR: Eu me separei da Martha, mãe.
MÃE: É, meu filho, quando eu digo que não é fácil manter um casamento nos dias de hoje, vocês não me escutam. Eu e seu pai tivemos que superar crises terríveis para manter o nosso até agora. (Discursando.) Deus sabe que eu tive que aguentar esses anos todos. Seu pai não é nada fácil, meu filho. (Choramingando.) Mas eu não me arrependo, não, meu filho. Apesar de tudo, valeu a pena...
ARTHUR: Mãe, eu tô muito triste... preciso falar disso com alguém...
MÃE: E é nessa hora que desaparecem os amigos, não é?
ARTHUR: É, eu e a Martha depois que a gente se casou...
MÃE: Se afastaram dos amigos.
ARTHUR: Um pouco. Tem o Miguel...
MÃE: Isso é muito natural. Depois que eu me casei com o seu pai também não vi mais as minhas amigas. E o seu pai, caipira do jeito que ele era, me proibiu de trabalhar fora. Como eu me arrependo hoje de não ter trabalhado. Minha vida foi cuidar de vocês. Eu vivi pros meus filhos...
ARTHUR: Agora que eu estou sem a Martha me deu um vazio, mãe. Não sei quem procurar. Me afastei de todo mundo. Tô me sentindo tão sozinho.
MÃE: A solidão faz parte da vida da gente, meu filho.
ARTHUR: Eu sei.
MÃE: Eu também me sinto muito só.
ARTHUR: Mas a senhora tem o papai.
MÃE: Eu não sei como explicar. (Quase chorando.) Eu sou uma mulher muito só. Quando vocês ainda moravam aqui... Mas agora... Essa casa está como se fosse um túmulo. (Chorando.) Eu sinto um vazio muito grande. Eu sei que eu não devia falar assim com você numa hora como esta. Mas com quem eu vou falar?
ARTHUR: ...
MÃE: Com o seu pai? É o mesmo que falar com a parede.
ARTHUR: A senhora nunca falou dessa tristeza toda.
MÃE: Para não afligir você. (Engolindo o choro.) Mas fala de você. Como vai a Martha?
ARTHUR: Mãe! A gente se separou.
MÃE: Melhor assim, meu filho, ela não prestava pra você.
ARTHUR: Mas, mãe...
MÃE: Eu adoraria conversar com você, meu filho. Mas agora eu tenho que sair pra fazer o supermercado, senão, eu e o seu pai vamos passar fome. Eu ligo pra você mais tarde. Manda um beijo pra Martha.
ARTHUR: Mas eu me separei... (Entra linha cruzada. Arthur ouve uma voz familiar estranha. Ouvimos ruído de chuvisco. Arthur desliga o telefone.)
CENA 18
Interior – noite. Apartamento de Arthur.
Toca o telefone. É a secretária de Magno que está na sua sala da TV, mas ao mesmo tempo está ao lado de Arthur.
SECRETÁRIA: Alô! O Arthur está?
ARTHUR: É ele.
SECRETÁRIA: Deu sorte, rapaz. O assistente do dr. Magno tá precisando de um ator principiante pra um papel depois de amanhã.
ARTHUR: Mas eu não sou principiante.
SECRETÁRIA: Aqui pra TV, é!
ARTHUR: Mas a que horas eu tenho que estar no estúdio?
SECRETÁRIA: Calma, não é assim, não. Primeiro você vai falar com o cara do cachê. Anota aí: Sala 127. Dr. Mário. Amanhã às 10 e 30, e a gravação é depois de amanhã no estúdio, às 8 horas da manhã.
ARTHUR: Brigado, hein?
SECRETÁRIA: De nada. O papel é meio pequeno.
ARTHUR: Sei.
SECRETÁRIA: Mas é assim mesmo... Tchau, boa sorte.
ARTHUR: Tchau. (Arthur desliga o telefone, superexcitado.) Uau!!! Graças a Deus!!!
CENA 19
Interior – noite. Apartamento de Arthur.
Arthur se esquece e liga para Miguel. O telefone toca várias vezes. Dessa vez só escutamos a voz de Miguel através do aparelho de Arthur.
ARTHUR: Miguel, conseguiu!!!
MIGUEL: (off) Hum...Hum...
ARTHUR: Miguel, tá tudo bem?
MIGUEL: (Num suspiro.) Tudo...
ARTHUR: Me chamaram da TV.
MIGUEL: (Dúbio.) Quem bom...
ARTHUR: Miguel, não é genial?
MIGUEL: (Dúbio.) Maravilhoso!!!
ARTHUR: Miguel, tô atrapalhando?
MIGUEL: Mais ou menos...
GATA: (off) Mais ou menos?
ARTHUR: Pô, me esqueci.
MIGUEL: Tudo bem!
ARTHUR: Desculpe, irmão. Vai fundo!
MIGUEL: Pode deixar... (Arthur desliga o telefone às gargalhadas.)
CENA 20
Interior – dia. Quarto de Arthur.
Arthur e Martha dormem. O sono dos dois é muito agitado. Ela puxa o lençol só pra si, rolando pro outro lado. Ele vai sentindo frio, se encolhe. Tateia, procurando o lençol. Pega nos cabelos dela, pensando que é o lençol, e puxa de uma vez. Ela grita. Ele solta. Não acordam. Ele se chega pro pé da cama e mete a cabeça dentro do lençol. Vemos dentro do lençol que a respiração faz cócegas no pé dela. Ela dá uma gargalhada. Depois chuta o nariz dele. Ele grita, mas não acorda. E ela grita, assustada com o grito dele. Ele dá um murro na cara dela. Ela cai. Ele puxa o lençol e o travesseiro. Abraça-se nos dois travesseiros. Ela volta pra cama, chorando, e procurando o travesseiro. Deita a cabeça na barriga dele, pensando ser o dito cujo. Ouvimos o que ela ouve: barulhos da digestão noturna! É como se fosse um maremoto. Ele vira de barriga pra baixo, sufocando- a. Ela agoniza! Consegue empurrá-lo da cama. Ele cai. Ela se espalha pela cama toda. Ele volta pra cima da cama. Eles lutam, se empurrando pra lá e pra cá. Voltam a deitar. Ela tosse no ouvido dele. Ele tapa a boca dela. Martha finalmente acorda com uma cara horrível. Olha um pouco para Arthur, que ocupa todo o território da cama. Sai do quarto.
CENA 21
Exterior – dia. Escadaria.
Arthur desce, pensando alto.
ARTHUR: Tenho que me impor! (Ensaiando.) “Olha, se o cachê for muito baixo, não me interessa.” Não, Deus me livre! Tudo me interessa. “Tudo bem, eu vou aceitar a sua proposta.” Não, não pode dar mole. “Posso pensar sobre o que você me ofereceu e te ligar mais tarde?” Numa dessas eu danço.
MENINO: Ensaiando de novo?
ARTHUR: Tô.
MENINO: Que peça é essa agora?
ARTHUR: Não decidi ainda. Pode ser “Humilhação e contrato” ou “O dinheiro ou a vida” ou “Nem vale a pena lutar”...
MENINO: Poxa!!!
ARTHUR: Vou tratar de dinheiro.
MENINO: (Sem hesitar.) Seja firme.
ARTHUR: (Firme.) Tá legal!
MENINO: (Firme.) Me deve 1,50.
ARTHUR: (Firme.) Eu sei. Quando puder, eu pago.
MENINO: (Firme.) OK.
ARTHUR: (Firme.) Tchau.
MENINO: (Firme.) Tchau. Boa sorte.
ARTHUR: (Firme.) Obrigado!!!
CENA 22
Interior, dia. Sala e porta do dr. Mário.
Abre a cena com a imagem da porta do dr. Lemos “Mário Leão – contratos e cachês – bata antes de entrar”. E mais um
aviso de “Proibido fumar”.
ARTHUR: (off) Quero 500.
MÁRIO: (off) Te dou 100. (Já na sala, ao vivo.)
ARTHUR: (Firme.) Tudo bem! Mas eu quero adiantado...
MÁRIO: Só no final do mês...
ARTHUR: (Firme.) Tudo bem! (Ponderando.) Mas não dá pra adiantar algum agora?
MÁRIO: Só se você baixar o seu cachê!
ARTHUR: Mas quem baixou foi você.
MÁRIO: Tá tentando ser espertinho?
ARTHUR: Não. Tô duro, mesmo...
MÁRIO: Quanto?
ARTHUR: 15 pro táxi e um sanduíche.
MÁRIO: Dou 10.
ARTHUR: Tudo bem! (Mário tira o dinheiro do bolso. Vê que só tem duas de 5.)
MÁRIO: (Dando 5 para Arthur.) Toma esses 5 e passa aqui amanhã, que eu te dou mais 5.
ARTHUR: Obrigado.
MÁRIO: De nada, meu filho. Nós temos fama de durões, mas no fundo a gente entende o problema de vocês, atores...
ARTHUR: Mas vem cá! O senhor não acha que está me pagando muito pouco?
MÁRIO: Você é um desconhecido, meu filho. E depois o seu papel é mínimo.
ARTHUR: Ah, é? Eu não sei. É muito ruim?
MÁRIO: Não. Você tá na mesma cena do ator principal.
ARTHUR: Ah, legal. Então amanhã eu pego os outros 5.
MÁRIO: Mas amanhã você vai gravar...
ARTHUR: Tem razão. Depois de amanhã.
MÁRIO: Depois de amanhã eu não vou estar aqui.
ARTHUR: Depois de depois de amanhã.
MÁRIO: No sábado?
ARTHUR: Posso passar na sua casa?
MÁRIO: Eu vou viajar.
ARTHUR: Então, tudo bem.
MÁRIO: Posso te dar um cheque de 5.
ARTHUR: Puxa valeu! (Mário faz um cheque de 5 cruzados. Arthur pega.)
ARTHUR: Brigado.
MÁRIO: Estamos aí pra servir.
ARTHUR: E no final do mês, então, mais 90.
MÁRIO: 80.
ARTHUR: Por quê?
MÁRIO: Você não está pegando 10 adiantados?
ARTHUR: Tá legal.
CENA 23
Arthur está debruçado na murada, vendo a vista. Está pensativo.
Ouvimos seus pensamentos em off, e às vezes os da moça também.
ARTHUR: (off) Que rumo vai tomar a minha vida, agora?
MOÇA: (off) Vai divertir o pessoal Arthur.
ARTHUR: (off) Será que eu nasci pra divertir o pessoal?
MOÇA: (off) Mas não se esquece de se divertir também.
ARTHUR: (off) Mas quem é ela?
MOÇA: (off) Tenha um pouco de paciência. Tenha paciência com você mesmo.
ARTHUR: (off) Eu não consigo. Como eu posso ter paciência... duro!? Olhando aqui do alto... essa cidade me assusta. Ninguém sabe quem eu sou nessa imensidão. Nem eu sei quem sou! Quem é ela?
MOÇA: (off) Sou uma amiga.
ARTHUR: (Ao vivo.) Mas quem? (A Moça surge na frente dele, no espaço, no precipício, no ar.)
MOÇA: Você vai ver!!! (Começa a desaparecer lentamente a sua imagem. Arthur quase se atira atrás dela.)
ARTHUR: (Gritando.) Quem?! (Arthur sente uma fisgada no coração. Parece que vai cair.)
CAPÍTULO III
Personagens:
Arthur
Moça
Menino
Mãe
Miguel
Participações:
Funcionário 2
Moça 2
Figurinista
Assistente de produção
Maquiador
Ary (o ator galã)
Diretor
Crianças 1, 2 e 3
Camareiro
CENA 1
Interior – dia. Apartamento de Arthur.
Arthur está só na cama. Toca o despertador: são 7 horas. Arthur dá um pulo. Está de cueca. Agitadíssimo, com pressa. Pega uma camiseta na cadeira, a calça no armário. Vai andando rápido pela casa enquanto se veste. Entra no banheiro com as calças na mão. Põe a camiseta ao mesmo tempo espremendo a pasta de dente na escova. Começa a escovar os dentes. Sente um gosto ruim na boca. Vai ler no tubo da pasta e percebe que o tubo é de creme de barbear. Cospe tudo. Desiste de escovar os dentes. Dá uma mijadinha rápida e sai do banheiro. Pega uma sacola na sala a sai porta afora. Dá um segundo e ele volta porque se esqueceu de pôr o tênis. Saindo, tasca o tênis como se fosse um tamanco. Sai. Dá mais um segundo e ele volta para pegar o bilhete enorme que estava grudado na porta. Sai lendo. Esta cena pode ser gravada em fast e é bom pôr uma música tipo A cavalgada das Valquírias do Wagner.
CENA 2
Exterior – dia. Perto da escadaria.
(Arthur vai andando rápido, lendo o bilhete de Martha ao mesmo tempo.)
ARTHUR : (Lendo.) “Arthur. Estou na casa da Mônica, amiga minha. Se precisar falar comigo, o telefone é 2947732. Tô lá à noite, achava legal a gente levar um papo... Boa sorte hoje! Não fica nervoso, que vai dar tudo certo. Um beijo. Martha.” (Arthur comenta em voz alta.) Ah, meu Deus! E mais essa agora. Depois eu penso nisso... (Joga o bilhete no chão.)
CENA 3
Exterior – dia. Escadaria.
Arthur desceu a escadaria toda. A câmera o acompanha de lado. No fim da escada está o menino contando dinheiro. Arthur faz uma pequena pausa pra tomar fôlego.
MENINO: Esse teu trabalho novo faz você correr muito.
ARTHUR: E eu ainda nem comecei... (Arfando.)
MENINO: Poxa, daqui a um tempo, então, você vai descer de moto.
ARTHUR: Tomara...
MENINO: Tomara? Por quê?
ARTHUR: Sinal que eu vou ter dinheiro pra comprar uma moto.
MENINO: Por falar em dinheiro...
ARTHUR: Já sei. Tô te devendo.
MENINO: Eu tô te cobrando pro seu bem. Cada dia fica mais caro.
ARTHUR: (Saca uma grana do bolso.) Ó, ontem pintou uma graninha.
MENINO: Passa pra cá.
ARTHUR: Metade.
MENINO: Tudo bem. E quer um conselho?
ARTHUR: Manda.
MENINO: Não corre tanto assim. Não faz bem.
ARTHUR: Tá legal. Obrigado. Tchau.
CENA 4
Exterior, dia. Ruas da cidade.
Arthur anda um pouco mais calmo. Está distraído. De repente olha pro lado, pra uma barraquinha de sorvete, e vê a
moça como sorveteira. Olha pro outro lado e a vê de novo, com outra roupa, passeando com um cachorrinho. Segue um pouco atordoado. Na outra esquina está ela de novo, com outra roupa, falando num orelhão.
ARTHUR: Pronto. Tô ficando louco... (Segue do outro lado da rua. Lá está moça de biquíni dentro
de um bugre. Passa um ônibus e ela está lá também.)
ARTHUR: Cruz credo!
CENA 5
Exterior – dia. Estação do metrô.
Arthur está esperando o metrô. Para um a direção contrária, salta do trem a moça, com a mesma roupa do primeiro capítulo. Ela vai andando com a multidão. Arthur começa a segui-la do lado de cá da plataforma. Acena, faz sinais. Ela para, mas para de costas pra ele. Ele, transloucado, não titubeia, arrisca um grito.
ARTHUR: (Gritando.) Eu te amo!!! (Toda a estação se vira para Arthur, menos a moça. Arthur assovia uma musiquinha pra disfarçar.)
CENA 6
Exterior – dia. Na porta de um banheiro público.
A câmera acompanha Arthur, que vai entrar num banheiro público. Entra, vai fazer xixi e vai pra pia, lavar as mãos. Lava bem as mãos, lava bem o rosto. Cheira debaixo do braço: sente um mau cheiro; Começa a tirar a camiseta. Abre a sua sacola, tira um sabonete, ensaboa debaixo do braço. Se anima e lava o peito também. Tira uma escovinha de lavar as costas; lava. Todos já pararam para ver Arthur se lavar, só ele é que não sacou. Ele tira as calças, a cueca, os sapatos e as meias; põe na outra pia ao lado. Tira uma pedra-pomes da sacola e esfrega os pés. Olha o pé, não gosta do que vê, tira uma tesourinha e corta as unhas do pé. Passa a mão no cabelo e também faz cara de que não gostou. Tira um xampu, um creme rinse e lava a cabeça. Pega um secador de cabelo, liga ele na tomada. Tira a tolha da sacola e seca o corpo. Põe a sacola em pé no chão, senta-se nela, e começa a secar o cabelo. Limpo e seco, tira uma muda limpa de roupa da sacola, veste-se, perfuma-se, dá um suspiro aliviado e sai do banheiro. O resto do banheiro todo continua imóvel olhando aquela cena.
CENA 7
Exterior – dia. Uma espécie de shopping center.
Arthur, depois do seu pequeno banho, relaxou geral. Passa por uma porta de elevador e vê a moça dentro dele, mas a porta está se fechando. Só dá tempo dela dizer...
MOÇA: Você está atrasado. (A porta do elevador se fecha. Arthur nem entra numa de ir atrás da moça. Olha o relógio, se toca e sai correndo.)
CENA 8
Interior – dia. Porta do estúdio.
Arthur fala com o funcionário como se falasse também com a moça.
ARTHUR: Eu sei que eu tô atrasado!
FUNCIONÁRIO: Não, não tá não. Você não é aquele rapaz que esteve aqui uns dias atrás a mando do sr. Magno?
ARTHUR: Arthur Gomes.
FUNCIONÁRIO: Então?!
ARTHUR: (Como se falasse com a moça.) Também, você fica aparecendo e desaparecendo o tempo todo!
FUNCIONÁRIO: Eu só saio pra fazer um lanche.
ARTHUR: Não me diz nem o seu nome, nada.
FUNCIONÁRIO: Eu me chamo José.
ARTHUR: Enchi dessa história...
FUNCIONÁRIO: Qual é a tua, cara?
ARTHUR: Qual é a tua pergunto eu.
FUNCIONÁRIO: A minha é trabalhar.
ARTHUR: A minha também.
FUNCIONÁRIO: Então, vai logo! Toma esse crachá aqui. (Dá o crachá ara Arthur.) (Arthur pega o crachá, ainda viajando, e entra.)
FUNCIONÁRIO: Não aguento mais esses atores. Ô raça!...
CENA 9
Interior – dia. Corredores do estúdio.
Arthur ainda não parou de falar como se falasse com a moça.
ARTHUR: E para de entrar nos meus sonhos. Sono é uma coisa muito
particular. E eu gosto muito deles. (Passa uma moça, que vê Arthur doido. Estranha e continua o seu caminho.)
CENA 10
Interior – dia. Porta da sala de figurino.
A mesma coisa: Arthur está “falando” com a moça.
ARTHUR: (Para a figurinista, ainda em transe.) Eu só queria saber quem é você. Por que você apareceu?
FIGURINISTA: (Estranhando e meio puta.) Eu sou Ângela, meu filho, a figurinista. E por que eu apareci é uma história muito longa. (Forte o suficiente para tirar Arthur do transe.) E você! Quem é você? Ou quem você pensa que é pra falar assim comigo? Acorda, meu irmão!
ARTHUR: (Acorda.) Desculpe, me desculpe... Eu vim gravar. Meu nome é Arthur Gomes. Quem mandou aqui foi um assistente do Magno...
FIGURINISTA: Ah, vai primeiro pra maquiagem, que depois eu te visto.
ARTHUR: E onde fica a sala de maquiagem?
FIGURINISTA: (Indicando.) É a terceira porta à direita, no fim do corredor.
ARTHUR: Obrigado.
FIGURINISTA: De nada.
(Arthur vai.)
FIGURINISTA: Ah, perdi o saco pra ator! Mas perdi mesmo... Ô raça.
CENA 11
Sala de maquiagem.
Arthur é trazido por um assistente de produção. O assistente de produção o entrega ao maquiador.
ASSISTENTE: É esse.
MAQUIADOR: Esse é o quê?
ASSISTENTE: É ele que vai fazer o papel do judeu que está há mais de três anos no campo de concentração.
MAQUIADOR: Ah, sei... Senta aí na cadeira, meu filho. (Para o assistente.) Pode deixar ele comigo. Já já ele tá prontinho. (O assistente sai.)
ARTHUR: Se é campo de concentração, eu acho legal pôr umas olheiras, talvez arrepiar um pouco o cabelo...
MAQUIADOR: (Para uma assistente.) Fátima, me passa a máquina zero.
ARTHUR: (Rindo de nervoso.) O que é isso, cara? Você vai... (A máquina zero já chegou às mãos do maquiador e ele interrompe a fala de Arthur, raspando o primeiro pedaço de cabelo.)
ARTHUR: Nossa mãe...
MAQUIADOR: Ué, meu filho, você é ou não é profissional?
ARTHUR: (Enquanto vai tendo a cabeça raspada.) Sou. Claro que sou. Só que eu não tava preparado pra isso. Essa é a minha chance na TV.
MAQUIADOR: A minha também. Começamos bem. (Arthur já está com a cabeça raspada.)
MAQUIADOR: Vira pra cá, meu filho.
ARTHUR: Vai botar as olheiras agora, né?
MAQUIADOR: Deixa eu ver. (O maquiador examina bem Arthur e dá-lhe um soco no olho.)
ARTHUR: (Quase caindo da cadeira) Ai! (Arthur fica imediatamente com o olho roxo.)
MAQUIADOR: Pronto. Ficou uma beleza.
ARTHUR: (Se olhando no espelho.). É, ficou ótimo.
MAQUIADOR: (Para a assistente.) Fátima, me passa o carvão.
ARTHUR: (Nervoso.) Eu acho que já tá bom. (O maquiador já está com o carvão na mão e faz mira na
boca de Arthur.)
MAQUIADOR: Meu filho, dá um sorriso pra mim.
ARTHUR: Sorriso é o meu forte. (Arthur sorri e o maquiador empurra o carvão nos dentes
dele. Ele fica com os dentes pretos.)
ARTHUR: (Se olhando no espelho) Nossa Senhora... Que loucura.
MAQUIADOR: Tá perfeito, meu filho. Você tá com a maior cara de judeu em campo de concentração. (Chega o assistente de produção, o mesmo que trouxe Arthur para o maquiador.)
ASSISTENTE: Cadê o homem?
MAQUIADOR: Tá aqui. Acabei de terminar. (Entra o assistente.)
ASSISTENTE: Nossa, mas ele tá irreconhecível.
ARTHUR: Obrigado. Será que podia agora me dar o meu texto? Eu ainda não sei o que eu vou falar.
ASSISTENTE: Não tem fala não, me filho. A sua cena é só um fuzilamento.
ARTHUR: Eu vou ser fuzilado?
ASSISTENTE: Você não. Você fica olhando enquanto o mocinho é fuzilado em primeiro plano.
ARTHUR: ...
MAQUIADOR: Leva ele logo daqui, que eu já tô com vontade de melhorar
o meu trabalho. (O assistente leva Arthur embora.)
CENA 12
Interior – dia. Estúdio com cenário de um muro de fuzilamento, arames farpados.
Ary, o galã, está conversando com o diretor. Toca a equipe – câmeras, microfonistas, continuístas, assistentes, figurantes do campo de concentração, soldados nazistas e vários outros estão esperando o pessoal da luz afinar. Ainda tem gente da cenografia martelando alguma coisa também.
ARY: (Ao diretor.) Quero me entregar nessa cena.
DIRETOR: Mas você não precisa se preocupar. O seu trabalho está ótimo!
ARY: Mas você sabe, cena final, tem que caprichar. É essa cena que vai ficar na cabeça do público.
DIRETOR: Claro! Por isso eu achei melhor te deixar com o cabelo normal, pra dar uma diferença.
ARY: E era só o que me faltava, cortar o cabelo agora! Tô cheio de comercial pra fazer. E careca eu não vendo nem chiclete no sinal. (Os dois riem.)
CENA 13
Estúdio com cenário do muro de fuzilamento, arames farpados.
ASSISTENTE: (Trazendo Arthur.) Você vai ficar bem ali. (Aponta para o fundo do cenário.)
ARTHUR: Mas me disseram que era do lado do Ary, o ator principal.
ASSISTENTE: Com a câmera você fica do lado. Não se preocupe que você vai aparecer.
ARTHUR: (Grilado.) Cê acha?
ASSISTENTE: Tenho certeza!
ARTHUR: Acho que vai faltar muito. Posso ir ao banheiro?
ASSISTENTE: De jeito nenhum. O diretor não quer que ninguém saia do estúdio.
ARTHUR: Tudo bem. (Apertado para fazer xixi.)
CENA 14
Interior – dia. Estúdio com o mesmo cenário.
A figuração está comendo um lanche. O iluminador dá Ok, o cenógrafo também: Ok. Vai passando a câmera por todos da equipe e todos fazem sinal de Ok.
DIRETOR: Então vamos lá minha gente!? Quem deu comida pro pessoal da figuração?!
ASSISTENTE: São 4 da tarde. Eles tavam morrendo de fome.
DIRETOR: Não sabe que não pode comer no estúdio? E a cara de fome ajuda a cena. Não é campo de concentração? (Toda a equipe ri. Menos Arthur e a figuração.)
DIRETOR: (Levando Ary.) Você fica aqui, Ary. Quem são os outros dois atores que vão ser fuzilados também?
ASSISTENTE: A produção só arrumou um. Tava muito em cima da hora. Mas o cara é bom.
DIRETOR: É bom, então vale a pena por dois? Cadê ele?
ASSISTENTE: (Trazendo Arthur.) É esse aqui.
ARTHUR: (Ao diretor, estendendo a mão.) Prazer, Arthur, Arthur Gomes...
DIRETOR: Prazer... Fica aqui do lado do Ary. (Arthur fica. Ary faz um sinal para o diretor de que não gostou.)
DIRETOR: Dá uns dois passos para trás.
ARTHUR: Tudo bem. E o que é que eu faço?
DIRETOR; Não faz nada. Cara zero. Sem expressão. Primeiro o pessoal nazista vai atirar em Ary. Depois a gente monta com a morte dos outros.
ARTHUR; Um deles sou eu?!
DIRETOR; É, é... mas depois. Então, vamos lá? Eu quero a figuração encostada no muro. (Para um da figuração.) Dava pro senhor não mascar chiclete? Que esculhambação é essa!? Assistente, cuida da figuração que senão eu vou pirar!
CENA 15
Interior – dia. Cenário do fuzilamento.
Ary se coloca, verifica se tem luz batendo no seu rosto. Ajeita o rosto. Faz cara de dor. Tudo pronto. Cena armada.
DIRETOR: Maravilhoso, Ary! Essa cara tá ótima!
ARY: (Sem desfazer expressão.) E a luz?
DIRETOR: Tá linda. O pessoal em casa vai chorar...
ARY: Mas será que não está muito exagerado?
DIRETOR: De jeito nenhum! Não tenha medo. (A Arthur, que está no lugar onde ele mandou.) Cara zero! De repente, na hora do tiro você pode mostrar medo... uma reação qualquer...
ARTHUR: Tudo bem.
DIRETOR: Então, depois do “gravando”, o pessoal nazista conta 5 e atira. Roda VT. Dá claquete. (Claquetista canta a claquete e o diretor grita.) Roda VT. Gravando. (O pessoal do fuzilamento conta alto.)
FUZILAMENTO: 1, 2, 3, 4, 5 (e atiram).
DIRETOR: (Aos gritos.) Para: conta mentalmente, pessoal do fuzilamento! Mantém a cara, Ary. O garoto também, cara zero! Vamos lá? Roda VT. Dá a claquete. Gravando. (Surge a imagem da moça só para Arthur. Ela fala em off.
Vai indo embora.)
MOÇA: (off) “Eu vou embora pra sempre!!!” (O pessoal atira. Ary cai no chão e Arthur grita.)
ARTHUR: NNNÃÃÃOOOOOOO!!!!! (Cai no chão com a mão no coração. O estúdio todo bate palmas para Arthur. Ele está com a cara esbulhada. Ary desfaz a cara e olha para Arthur, não entendendo nada. O diretor gosta.)
CENA 16
Interior – dia. Corredores do estúdio.
O diretor conversa com Arthur, que ainda está meio em choque.
DIRETOR: Gostei, gostei muito do seu desempenho. Espontâneo... Tá rolando uma novela nova. E eu vou te indicar pra um papel. É meio cômico. Não sei se você saca comédia.
ARTHUR: Saco. É o meu forte.
DIRETOR: Então, tá feito! A gente entra em contato.
CENA 17
Exterior – dia. Porta da TV.
Arthur já está com os cabelos normais. Está cercado de crianças à sua volta, pedindo autógrafos.
ARTHUR: (Administrando.) Um de cada vez.
CRIANÇA 1: Eu, eu, eu...
CRIANÇA 2: Eu cheguei primeiro.
CRIANÇA 3: Eu vi ele primeiro. Ele é meu!
ARTHUR: Calma, gente! Você.
CRIANÇA 2: Meu nome é Patrícia.
ARTHUR: (Escrevendo.) Pra Patrícia, um beijo do Arthur Gomes. Quem é agora?
CRIANÇA 1: Eu. Mas eu queria uns pra umas amigas minhas também.
ARTHUR: Tá legal. Como você se chama?!
CRIANÇA 1: Adriana. As outras são: Ana, Márcia, Sheila, Cláudia, Maria, Cristina e Beatriz.
ARTHUR: Poxa, você tem amiga pra burro. (Vai escrevendo.) (As crianças vão dispersando. Fica só a criança 3 e uma outra criança nas costas dele, puxando a camisa.)
ARTHUR: Você?
CRIANÇA 3: Arthur.
ARTHUR: O mesmo nome que o meu!
CRIANÇA 3: Mas o seu nome não é Genivaldo?
ARTHUR: Não, esse é o nome do personagem.
CRIANÇA 3: Você não é médico.
ARTHUR: Não. Sou ator.
CRIANÇA 3: Poxa... (Vai saindo. A criança atrás de Arthur continua a cutucá-lo.)
ARTHUR: Já vou. (Sem se virar.) Quer um autógrafo?
MENINO: Não. Quero o meu dinheiro! (É o menino da escadaria. Arthur o reconhece e fica emocionado com o reencontro.)
ARTHUR: Com correção e juros!
MENINO: Altíssimos.
CENA 18
Exterior – dia. Bar com mesinhas. Pode ser na beira da praia.
Estão Arthur e o menino conversando.
MENINO: Você desapareceu.
ARTHUR: Pois é...
MENINO: Depois que começou a aparecer na TV...
ARTHUR: Tudo bem com você?
MENINO: Mais ou menos. Tô sem saber o que eu vou ser quando crescer...
ARTHUR: E você quer fazer o quê?
MENINO: Economia, administração...
ARTHUR: (Rindo.) Você tem jeito pra isso.
MENINO: Mas às vezes eu queria ser artista como você...
ARTHUR: Não dá grana.
MENINO: Pois é. Isso é que me grila. Mas você agora tem grana.
ARTHUR: Dei sorte... Mas falta tempo ainda. Ô, pega o meu endereço novo. Passa lá em casa pra gente conversar mais. Quem sabe a gente arruma uma profissão legal pra você...
MENINO: (Anotando.) Tá legal. Posso pedir outro refrigerante?
ARTHUR: Por conta do chiclete.
CENA 19
Interior – dia. Casa da mãe.
ARTHUR: A senhora me chamou urgente. O que foi que aconteceu?
MÃE: É a Jurema, a minha empregada.
MÃE: Ela queria tanto um autógrafo seu... Quando ela descobriu que Arthur Gomes era meu filho, ela ficou louca...
ARTHUR: Ah, mãe, me chamou às pressas pra dar um autógrafo?
MÃE: Não é só isso. É o seu pai...
ARTHUR: Aconteceu alguma coisa?
MÃE: Sabe o que que é, meu filho? Ele queria tanto um videocassete pra gravar você na TV. E esse mês a gente está “a neném”.
ARTHUR: Quanto?
MÃE: Não fala assim com a sua mãe. Parece que eu exploro você.
ARTHUR: Quanto, mãe, eu tô com pressa, tenho que trabalhar...
MÃE: 500 dólares.
ARTHUR: Não dava para comprar um nacional?
MÃE: É quase o mesmo preço. E esse é ótimo. Tem tanto filme que eu vou aproveitar pra ver no vídeo... Eu e seu pai presos nessa casa... porque ele não sai mais! Não vamos a um cinema!
ARTHUR: O vídeo é pra senhora...
MÃE: Ô, meu filho, não trata assim a sua mãe. A mulher que te trouxe ao mundo, que te encheu de carinho, atenção, cuidados...
ARTHUR: Tá legal. Depois eu mando o dinheiro pra senhora.
MÃE: Depois, quando?
ARTHUR: Essa semana.
MÃE: E o teatrinho?
ARTHUR: A peça vai bem!!!
MÃE: E a Martha?
ARTHUR: Mãe, a gente já se separou há tanto tempo...
MÃE: Mas eu gostava tanto dela.
ARTHUR: Eu também!!... Mãe, depois a gente conversa sobre isso.
MÃE: No dia de São Nunca... Você não me visita mais...
ARTHUR : (Saindo.) No fim de semana.
CENA 20
Interior – dia. Coxia do teatro.
Arthur sai do palco e entra na coxia. Ouvimos ainda os aplausos lá da plateia. Comenta com o camareiro.
ARTHUR: Hoje foi horrível!!!
CAMAREIRO; Que é isso, Arthur?! O pessoal adorou, morreu de rir. Até eu ri, e olha que eu já vi essa peça umas cem vezes.
ARTHUR; Mas eu não gostei... Sei lá... Tava muito cansado...
CAMAREIRO: Você cansado é hilário!
ARTHUR: Hilário, hilário! Todo mundo que vem falar comigo diz a mesma coisa: hilário! Até na rua ficam rindo de mim...
CAMAREIRO: Carma. Seu carma é divertir o povo...
ARTHUR: Eu já ouvi isso antes.
CAMAREIRO: De quem? Pai de Santo?
ARTHUR: Uma moça... Eu sonhava com ela...
CAMAREIRO: Bonita?
ARTHUR: Linda!
CAMAREIRO: Procura ela.
ARTHUR: É o tipo de pessoa que é impossível procurar...
CAMAREIRO: Procura outra. Você precisa arrumar uma namorada. Tem tanta mulher dando em cima de você.
ARTHUR: Pois é...
CAMAREIRO: A própria Ângela.
ARTHUR: Ângela é minha amiga, colega de trabalho...
CAMAREIRO: Assim não rola ninguém mesmo. Todo mundo é amigo, é colega, é legal... Cadê o fogo?
ARTHUR; Sei lá. Vou tomar um banho e ir para casa descansar.
CAMAREIRO; Vai todo mundo pra um restaurante.
ARTHUR; Diz que eu vou amanhã, que hoje eu tô cansado.
CAMAREIRO; Sonhar só não adianta!
ARTHUR: (Saindo.) Tá legal, vou pensar no seu caso. Manda umas propostas de namoro lá pra casa (Sai. Ouvimos Arthur off.)
ARTHUR: Prefiro louras!!!...
CENA 21
Exterior – noite. Ruas da cidade.
Arthur está de carro. Carro normal. Não é carro de playboy, não. Para num sinal, ouve um psiu, acha que é tiete. Vira-se de mau humor. É Miguel num ônibus.
ARTHUR: (Gritando.) Ó, meu irmão! Você sumiu! Quer uma carona?
MIGUEL: Não. Tô chegando!
ARTHUR; De onde?
MIGUEL: Tava em Recife fazendo um espetáculo!
ARTHUR; Legal!
MIGUEL: Pois é, vamos se ver.
ARTHUR: Me liga!
MIGUEL: Me liga você.
ARTHUR; Tá!
MIGUEL: Ficou famoso?
ARTHUR: Será?!
MIGUEL: Claro. (O ônibus sai. Arthur vai de carro, ao lado.)
ARTHUR: Bom te ver!
MIGUEL: Bom te ver!
CENA 22
Interior – noite. Casa de Arthur.
Nota: Pode ser a mesma de antes com outros móveis, mais limpa e bonita. Arthur está morto. Senta-se no sofá. Liga o abajur. Levanta, pega um cigarro e um álbum de fotografias. São fotos dele com a Martha no tempo de casados. Fotos felizes.
ARTHUR: É, preciso arrumar uma namorada. Só fazer macaquice pro povo rir... vou acabar ficando um palhaço chato. Martha... Tenho saudades da Martha. Mas a gente era muito diferente. Não ia dar certo. Nem com grana. Preciso ligar pra ela... Preciso ligar pro Miguel... Preciso ligar pro garoto... Bom garoto...
CENA 23
Interior – noite. Banheiro de Arthur.
Arthur está no chuveiro. Dá alguns suspiros altos, uns “Ah!”, tipo relaxando. Sai. Se enxuga com atoalha e se olha no espelho. Ao se ver no espelho, em lugar da sua imagem está a imagem da moça. Fica apoplético. A moça, na sua “fala de gestos”, diz pra ele: “Calma”. Arthur senta na privada, olhando sempre pra ela. A luz nela é bem especial, colorida.
ARTHUR: (Arriscando uma fala.) Por que você sumiu?
MOÇA: Eu tô aqui.
ARTHUR: Mas aí eu não posso te pegar.
MOÇA: Você está bem?
ARTHUR: Acho que sim... Às vezes fica tudo muito confuso... As pessoas gostam de mim... Eu acho...
MOÇA: Eu também. Tá divertindo o pessoal?
ARTHUR: Acho que sim. Eles riem muito. Acho até estranho rirem tanto...
MOÇA: Sinal de que você é engraçado! E você se diverte?
ARTHUR: Nem sempre...
MOÇA: Mas tem que se divertir!
ARTHUR: Eu sei, eu gosto. Eu tento... Na verdade eu me divirto.
MOÇA: Agora tá feito.
ARTHUR: O que tá feito?
MOÇA: O nosso pacto. Você se diverte e diverte o pessoal.
ARTHUR: Que pacto é esse? É um pacto com o diabo? É uma espécie de Fausto.
MOÇA: Calma. Tenha paciência. Paciência. Toma. (Dá pra ele um espelho antigo do tamanho de uma mão.) Leva isso com você. Quando você estiver em dúvida, olha ele. Você vai gostar. (Vai se desintegrando.)
ARTHUR: Espera! Quando a gente se vê?
MOÇA: Um dia você vem comigo!... Divirta o pessoal... (A moça some no espelho, a luz desaparece. Arthur tenta
pegá-la, mas dá de cara coma sua imagem refletida. Se tateia no espalho e sente mais uma vez a fisgada no coração.)
CAPÍTULO IV
Personagens:
Arthur
Mãe
Menino-rapaz
Miguel
Moça
Participações:
Camareiro
Secretária
Atriz
Popular 1, 2, e 3
Padeiro
Funcionário
Garoto 2
Mãe do garoto
Diretor
Atriz 2
CENA 1
Interior – dia. Banheiro de Arthur.
Passagem de tempo. Arthur está com os cabelos grisalhos e a maquiagem é de uma pessoa de 40 anos bem vividos. Arthur começa a cena se olhando no espelhinho que a moça deu pra ele, depois passa para o espelho grande do banheiro. Está se enfeitando.
ARTHUR: Tô achando esses cabelos brancos muito precoces, não mereço... Um dia desses me dá uma louca e pinto tudo... (Continua sua toalete. Muito perfume, escova os dentes, passa loção após barba, desodorante. Chega um pouco pra trás pra se admirar melhor. Parece aquela cena do capítulo passado em que ele estava se preparando pra sair, só que dessa vez tudo é bem calmo, caprichado mesmo. Sai, um segundo depois volta pra pegar o espelhinho que tinha ficado em cima da pia.)
CENA 2
Exterior – dia. Ruas da cidade. No carro.
Arthur dirige meio distraído. Para no sinal do lado de um ônibus escolar. As crianças reconhecem o artista, acenam pra ele, mas Arthur nem percebe. Está pensando off. Mas dá pra gente ouvir o barulho do trânsito.
ARTHUR: (off) Não entendi esse negócio do pessoal pedir pra eu estar no teatro de manhã... De qualquer jeito vou aproveitar pra conversar com o Manoel... De repente... mando consertar a roupa de cena... Tô ficando um velho obsessivo... Velho? Vou pin...
ARTHUR: (Ao vivo.) Vou pintar esse cabelo.
CENA 3
Exterior – dia. Porta do teatro.
Algumas pessoas param Arthur pra pedir autógrafo. Arthur é gentil.
CENA 4
Interior – dia. Palco do teatro.
Está montado um cenário simples, mas com muitos panos coloridos. O palco está às escuras. Arthur estranha. Dá um tempinho de suspense. De repente acendem-se as luzes todas. Tem um bolão de aniversário no meio do palco, com duas velhinhas fazendo o número 40. Estão, fora a figuração (deve ser a equipe do teatro), várias personalidades famosas, tipo: Caetano, Chico, Marieta, Chico Anísio, Bruna Lombardi, Tarcísio Meira, Fernanda Montenegro, enfim, gente que o povo reconheça rápido, que todo mundo gosta. Tudo isso pra dar a impressão de uma alta roda. Comediantes como: Berta Loran, Renata Fronzi, Walter d´Ávila seriam mais que bem-vindos! Como não sabemos com quem podemos contar para isso, as “personalidades” vão ficar por enquanto sem nome. Começa a cena com um grande “Parabéns pra você”. Arthur está chapado.
PERSONALIDADE: Quarenta aninhos, hein?
PERSONALIDADE: Idade do lobo!
ARTHUR: Poxa, que loucura, gente!
PERSONALIDADE: Vai dizer que você nem desconfiou?
ARTHUR: Vou dizer, eu desconfiei...
PERSONALIDADE: Arthur, você é um palhaço mesmo.
ARTHUR: Palhaço é você.
PERSONALIDADE: Parabéns, Arthur. (Abraça-o.)
PERSONALIDADE: Parabéns. (Beija-o.) (Começa uma espécie de fila de comprimentos. No meio dela está dona Mirtes, mãe de Arthur.)
ARTHUR: Ô mãe, você também tava nessa?
MÃE: Claro, ia perder esse acontecimento?
PERSONALIDADE: Na verdade, ela ajudou a organizar...
MÃE: Ia perder uma chance como essa? E olha o que eu trouxe? (Mostra um caderninho.)
ARTHUR: Que que é isso, mãe?
MÃE: O caderninho de autógrafos da Jurema...
ARTHUR: Ah não, mãe, pelo amor de Deus. Não me vai fazer passar vexame.
MÃE: Ah, esse pessoal já tá acostumado.
ARTHUR: Mãe, pega leve.
MÃE: Arthur, você não vai brigar comigo em público?!
PERSONALIDADE: Deixa ela, Arthur...
ARTHUR: Se eu deixar, a festa vira dela. (para a mãe) Guarda já esse caderno... (Um rapaz vem cumprimentar Arthur. Ele não o reconhece.)
RAPAZ: Parabéns.
ARTHUR: Obrigado.
RAPAZ: Não tá me reconhecendo?
ARTHUR: Sinceramente, não.
RAPAZ: Uma vez deixou um chiclete, depois você me pagou com dois refrigerantes.
ARTHUR: Garoto!
RAPAZ: Corredor da escadaria!
ARTHUR: Você nunca mais me procurou...
RAPAZ: Meus pais se mudaram da cidade, e eu morei muitos anos no Espírito Santo.
ARTHUR: Afinal, o que é que você faz agora?
RAPAZ: Tentei ser ator, não deu muito certo, e agora eu trabalho numa firma de computação.
ARTHUR: Gostaria de te ver de novo. Me procura.
RAPAZ: Tá legal. Me dá o seu telefone.
ARTHUR: 2947732. Me liga mesmo.
RAPAZ: Pode deixar...
PERSONALIDADE: Arthur, corta esse bolo logo, pelo amor de Deus! Tô morto de fome.
PERSONALIDADE: É, vamos ao que interessa...
ARTHUR: Mas cadê o Miguel?
CAMAREIRO: Ninguém conseguiu encontrar ele.
ARTHUR: Que pena. (Arthur vai pro bolo, corta, olha em volta. A mãe faz cara de cachorro sem dono, Arthur dá o primeiro pedaço pra ela. Todos riem.)
CENA 5
Exterior – dia. Porta do teatro.
Arthur está sozinho, vem Miguel e dá um abraço nele pelas costas. Arthur toma um bruta susto.
ARTHUR: (Assustado.) O que que é isso?
MIGUEL: Um abraço.
ARTHUR: Ó, Miguel, que susto. Por que você não tava na festa?
MIGUEL; Não fui convidado...
ARTHUR: Ah é. Mas parece que ninguém te achou.
MIGUEL; Tô brincando. Ninguém me achou, mas eu sabia. Tô meio desaparecido mesmo...
ARTHUR: (Sacando algo errado.) Aconteceu alguma coisa?
MIGUEL: Nada.
ARTHUR; Então.
MIGUEL: Nada. Esse é que é o problema. Não tá acontecendo nada na minha vida. Tô desempregado. A peça que eu tava fazendo era o maior fracasso. Mas um fracasso tão grande que no segundo ato, uma vez... começou, a plateia toda apagada... refletor na cara da gente, não dá pra ver o público, né? Pois é. Depois de meia hora do segundo ato rolando, de repente eu fiquei cismado com o silêncio do público. Fiquei olhando firme pra plateia. Quando eu me dei conta, a gente tava representado pra imagem há 30 minutos. (Os dois morrem de rir.)
ARTHUR: Que história?!
MIGUEL: Mas pode deixar que o fracasso não me subiu a cabeça. Eu continuo a mesma pessoa simples de... sempre.
ARTHUR: (Ri.) Não, meu irmão, eu vou te descolar um trabalho. Faz o seguinte: passa amanhã na sala do Magno, que eu sei que ele vai tá lá de manhã. Eu dou um toque nele, e eu tenho certeza que pinta alguma coisa, nem que seja pra quebrar um galho. Eu ligo pra ele às 10, passa lá às 10 e meia.
MIGUEL: Valeu. Feliz aniversário.
ARTHUR: Obrigado. Fora isso me liga essa semana pra gente bater um papo.
MIGUEL: Tá legal. Não esquece de dar um toque no Magno...
ARTHUR: Pode deixar. Tchau.
MIGUEL: Tchau.
CENA 6
Interior – dia. Antessala de Magno.
Estão lá: A mesma secretária, um pouco mais velha. E uma jovem atriz, pode ser a mesma do passado, mas ela continua a mesma. Entra Miguel.
MIGUEL: Eu sou Miguel, o Miguel Lemos. Eu vim falar com o Magno.
SECRETÁRIA: Senta... Eu não sei quando o sr. Magno vai chegar não. É capaz dele nem vir aqui hoje...
MIGUEL: Foi o Arthur Gomes que falou que ele ia tá aqui...
SECRETÁRIA: O Arthur Gomes tá por fora da vida do sr. Magno. Mas senta aí. (Senta na cadeira, olha o relógio, que está marcando 10 e meia.)
CENA 7
Interior – dia. Antessala de Magno.
O relógio marca 11 e meia. Entra o garçom com o cafezinho.
SECRETÁRIA: Vocês querem um café?
ATRIZ: Eu não bebo café! (Como se a secretária soubesse.)
MIGUEL: Eu vou aceitar (Pega a xícara de café.) Obrigado. Vem cá, o Arthur disse que ele ia estar aqui de manhã. A que horas o Magno costuma chegar?
ATRIZ: Ele não costuma chegar. Ele costuma sair.
CENA 8
Interior – dia. Antessala de Magno.
O relógio marca 1 hora. A secretária e a atriz se levantam pra sair.
SECRETÁRIA: Hora do almoço...
ATRIZ: (À secretária.) Sônia, vamos almoçar no Barramar?
SECRETÁRIA: Boa ideia. (A Miguel.) Você vai ou fica?
MIGUEL: Será que ele aparece agora, na hora do almoço?
ATRIZ: Às vezes aparece. Acho que é de pilantragem... Mas não vale a pena morrer de fome por causa disso.
MIGUEL: Mesmo assim eu vou esperar. Tô precisando demais falar com ele.
ATRIZ: O que é de gosto regala a vida. Vamo, Sônia?!
SECRETÁRIA: Vamos.
CENA 9
Interior – dia. Antessala de Magno.
Miguel está só na sala, atendendo o telefone.
MIGUEL: (Ao telefone.) Não, ele não está não... Não sei... Ele não saiu, porque nem chegou a chegar... A chegar!!!... (Ri.) Você ainda não entendeu... A ligação tá péssima! Chegar! Entendeu? Graças a Deus! Não sei se está gravando, não. Acho que sim... Deve vir... Espero que venha! (Desliga o telefone.) Espero!!! (Senta-se na cadeira. Toca de novo o telefone, Miguel atende.)
CENA 10
Interior – dia. Antessala de Magno.
A secretária já está de volta, na sua mesa. A atriz no sofá, impecável, e Miguel contorcido na cadeira.
MIGUEL: Não aguento mais de fome...
ATRIZ: Quer uma banana? (Saca uma banana da bolsa.)
MIGUEL: Não, obrigado.
SECRETÁRIA: Mas você não está com fome?
MIGUEL: Tenho vergonha de comer banana em público. (Toca o telefone. É Arthur que está do outro lado. No mesmo cenário, só que na casa dele.)
SECRETÁRIA: (Ao telefone.) Oi, Arthur... O Magno não chegou não...
ARTHUR: (off) Será possível? O Miguel tá aí?
MIGUEL: Diz que eu tô aqui.
SECRETÁRIA: Tá.
ARTHUR: (off) Deixa eu falar com ele?!
SECRETÁRIA: (Passando o telefone.) Quer falar com você...
MIGUEL: (Ao telefone.) Oi. Tô aqui desde 10 e meia...
ARTHUR: (off) Sai daí... Eu tentei falar com ele hoje o dia inteiro...
MIGUEL: Mas você acha que ele ainda passa aqui?
ARTHUR: (off) Sei lá... Esse cara é uma loucura... Mas eu acho ele. Pode deixar comigo. (Entra um ruído de chuvisco na ligação.)
MIGUEL: O telefone tá péssimo...
ARTHUR: (off) Sai daí.
MIGUEL: O quê?
ARTHUR: (Off, quase invadindo o cenário e fazendo o gesto de “sai”.) Sai daí! Sai daí! Sai!
MIGUEL: Calma, tô saindo. (Miguel sai do cenário.)
CENA 11
Interior – dia. Novo apartamento de Arthur.
Toca a campainha, é Martha com umas flores na mão. Arthur vai atender.
MARTHA: (Dando as flores.) Parabéns!
ARTHUR: Poxa, que surpresa! (Pegando as flores.) Entra...
CENA 12
Interior – dia. Apartamento de Arthur.
Passagem de tempo. Martha está sentada no sofá, enquanto Arthur vem da cozinha com uma bandeja de cafezinhos e água. Se servem.
ARTHUR: E as crianças?
MARTHA: Parecem uns homens...
ARTHUR: Tô sabendo. Que rápido, né?
MARTHA: O quê?
ARTHUR: A vida da gente...
MARTHA: Às vezes me dá aflição...
ARTHUR: Fiz quarenta anos!
MARTHA: Eu sei. As flores são por causa disso...
ARTHUR: Não me imaginava assim, com quarenta.
MARTHA: Você tá ótimo.
ARTHUR; Você também. (Sorriem um pro outro. Há um climinha no ar.)
ARTHUR: E a vida de casada?
MARTHA: Sempre um pouco complicada. E a de solteiro?
ARTHUR: Às vezes complicadíssima. Parece uma charada... (Riem.)
ARTHUR: Quer outro café?
MARTHA: Não. Alias eu tô indo...Tenho que pegar as crianças...
ARTHUR: Fica mais um pouco.
MARTHA: Não dá mesmo...
ARTHUR: Só mais um pouquinho.
MARTHA: Não dá, Arthur.
ARTHUR: Às vezes eu sinto muito a sua falta...
MARTHA: Eu também tenho saudades.
ARTHUR: Vamos nos ver mais...
MARTHA: Mas sem climas.
ARTHUR: Quem fez climas?
MARTHA: Eu.
ARTHUR: É verdade (Ri.) E eu também. (Martha, dividida, já está na porta.)
MARTHA: Você está ótimo.
ARTHUR: Você também. Tem certeza que não quer ficar mais um pouco?
MARTHA: Absoluta!
ARTHUR: Poxa. (Abre a porta.) Então tá, me liga.
MARTHA: Ligo. Sem climas?
ARTHUR: Sem climas. (Martha sai. Arthur fecha a porta. Encosta-se na porta de costas, pensativo. Vemos do outro lado Martha fazer a mesma coisa. Cena clássica. Música romântica.)
CENA 13
Exterior – dia. Banca de jornais.
Close numa capa de revista. Vemos a foto de Arthur, com a manchete “A vida de um ator solteirão”. Populares comentam.
POPULAR 1: É gay...
POPULAR 2: Uma boneca.
POPULAR 3: Bichona braba!
POPULAR 1: Artista, né?
POPULAR 3: Isso gosta...
POPULAR 2: Se gosta!
POPULAR 1: Eles não tem vergonha na cara.
POPULAR 3: Vou proibir as crianças de ver as novelas dele.
POPULAR 1: Influencia mal.
POPULAR 2: É um perigo...
CENA 14
Interior – dia. Padaria.
Com aquelas revistas e jornais que giram até ficarem paradas e legíveis. Tipo filme de Hollywood. As manchetes são “Quem é gay no mundo artístico?”, “Tudo sobre os “solteirões”, “A vida de Arthur Gomes é um livro aberto (até que ponto?)”, “Tudo sobre o passado de Arthur Gomes” e mais outras a serem inventadas. Todas as capas têm foto de Arthur.
CENA 15
Exterior – dia. Padaria.
Sonolento, Arthur entra na padaria distraído. É apontado por todos.
PADEIRO: (Imitando bicha para Arthur.) Vai querer o quê?
ARTHUR: (Estranhando um pouco.) Três bisnagas...
PADEIRO: (Bicha.) Três bisnagas?
ARTHUR: E um litro de leite.
PADEIRO: E um leitinho?
ARTHUR: Que que é isso, seu José?
PADEIRO: O senhor nunca me enganou...
ARTHUR: O senhor também não.
PADEIRO: (Irritado.) Quer diz o quê com isso?
ARTHUR: Que o senhor é um bom padeiro. (O povo, que escutou isso, acha que Arthur está dando uma cantada no padeiro.)
TODOS: Ai, ai! Aí, hein, seu José? (Seu José fica “passado”. Arthur não entende.)
CENA 16
Exterior – dia. Rua. Arthur de carro.
Arthur para com o carro no sinal. No carro vizinho tem uma mãe com um garoto do lado.
GAROTO: (Apontando para Arthur.) Mãe! Olha a bicha da TV! (Arthur disfarça.)
GAROTO: (Chamando.) Bicha... bicha! Olha pra cá, bicha...
MÃE: Não olha pra ele não! Fica quieto!
GAROTO: Ah, mãe, deixa eu ver a bicha!
MÃE: Deixa a bicha em paz. Coitada!
CENA 17
Exterior – dia. Porta do estúdio.
Funcionário cumprimenta Arthur com pesar.
FUNCIONÁRIO: Que chato, hein, seu Arthur?!
ARTHUR: Podes crer...
FUNCIONÁRIO: Mas o povo esquece logo logo.
ARTHUR: (Não entendendo bem.) Esquece?
FUNCIONÁRIO: Esquece. (Arthur entra. Funcionário aproveita pra dar uma desmunhecada de deboche.)
FUNCIONÁRIO: Ai, ai... Ui, ui...
CENA 18
Interior – dia. Cenário de novela. Pode ser um sofazinho.
Vê-se todo o estúdio e mais o cenariozinho. Arthur e mais uma atriz estão no sofá, ensaiando uma cena romântica. O diretor orienta.
DIRETOR: É aquela coisa... (Para Arthur.) Você faz a declaração de amor, depois se beijam. Dá um tempinho pra entrar a música, depois eu corto. Arthur, não vai fazer palhaçada, tá? É uma cena de amor!
ATRIZ: (A Arthur.) Que chato o negócio sobre você... Essa gente é um horror mesmo... (Arthur não entende.)
DIRETOR: Então vamos lá?!
ARTHUR: Vamos lá.
ATRIZ: (Dá OK.)
DIRETOR: Então... Roda VT. Canta claquete. (Dão claquete.) Gravando!
ARTHUR: (Atuando.) Tem uma coisa que eu quero te dizer há muito tempo. Desde o dia que eu te vi a primeira vez. Quando eu te vi naquele dia, me deu um click! Um arrepio... Parecia que eu estava sonhando... Parecia mágica... Parecia que eu te conhecia há duzentos anos... (Olha bem pra ela. A imagem dela, que nós vemos sob o ponto de vista de Arthur, vai ficando turva. A roupa que a atriz usa é muito parecida com a da moça da primeira cena. O rosto da atriz vai mudando e vai se tornando a imagem da moça. Arthur engasga. Fica nervoso e feliz.) Eu te amo. Sempre
te amei (Pula no estúdio, eufórico.) Que bom! Que bom! Que maravilha! (Pega a atriz nos braços, pula, abraça, ri, brinca. Parece Saci Pererê.) Você existe! Que bom que você existe! (O estúdio todo ri e bate palmas ao mesmo tempo.)
DIRETOR: Corta! Valeu! Arthur, você não tem jeito mesmo. És um palhaço!!! Mas ficou ótimo! Depois, na edição, eu ponho uma música em cima dessas falas que você inventou. Ficou melhor que um beijo. Mais moderno!
CENA 19
Interior – dia. Apartamento novo de Arthur.
Estão Arthur e Miguel, levando um papo. Estão relaxadões. Arthur está de cueca e camiseta e Miguel está descalço. Fim de uma boa gargalhada.
ARTHUR: Virei gay agora!
MIGUEL: Quem diria, hein?
ARTHUR: Se bobear, meu irmão, vão dizer que eu tenho um caso com você.
MIGUEL: E eu confirmo.
ARTHUR: Nem brinca.
MIGUEL: Pra me promover. A gora que você virou famoso. Dá ibope ter um caso contigo.
ARTHUR: Quem é o meu marido e quem é a mulher?
OS DOIS: Eu sou o marido!! (Riem.)
MIGUEL: Agora, falando sério! Você ficou famoso pacas, hein?
ARTHUR: Dei sorte.
MIGUEL: Que sorte nada. Tu é talentoso!
ARTHUR: Dei sorte!
MIGUEL: Tá legal, deu sorte.
ARTHUR: Sorte... E...
MIGUEL: E o quê?
ARTHUR: (Desconversando.) Nada não... Uma história. Uma história muito louca.
MIGUEL: Diz logo!
ARTHUR: Lembra da história daquela moça? Quando eu fui fazer aquele primeiro papel na TV?
MIGUEL: Mais ou menos...
ARTHUR: Deixa, Miguel. Um dia, com calma, eu te conto melhor.
MIGUEL: Coisa de mulher, né?
ARTHUR: (Desconversando.) É.
MIGUEL: Mulher é fogo... Elas são muito diferentes...
ARTHUR: Graças a Deus.
MIGUEL: Mas é bom, né?
ARTHUR: Bom demais...
MIGUEL: Por isso que eu gosto de ter nascido homem... Pra namorar as mulheres.
ARTHUR: É... Já pensou ter nascido mulher?
MIGUEL: E ter que gostar de homem?
ARTHUR: Uns bichos cabeludos!
MIGUEL: Barbudos...
ARTHUR: Mulher é tão lisinha. Macia...
MIGUEL: Redondinha...
ARTHUR: Cheirosinha...
MIGUEL: Doce...
ARTHUR: Sensíveis...
OS DOIS: (Suspiram.) Ai... (E riem em seguida.)
MIGUEL: Sem querer mudar de assunto...
ARTHUR: Mas mudando! Fala, é negócio da peça, né?
MIGUEL: É. É um projeto incrível... Eu quero juntar o Ricardo III com o Corcunda de Notre Dame. Tem tudo a ver.
ARTHUR (Desconfiadíssimo.) É...
MIGUEL: E o patrocínio dançou... Desculpe... Mas eu pensei em você me ajudar... Fico até sem graça... Parece que eu tô te explorando... Mas eu preciso mesmo!
ARTHUR: Calma, Miguel. Não tem nada que ter vergonha. Vergonha é um ator legal como você ficar sem patrocínio... Correndo atrás... Deixa comigo. E eu tenho um rapaz legal pra fazer a produção pra você...
CENA 20
Apartamento de Arthur.
Pega o telefone. Do outro lado está o menino, que agora já é um rapaz. Mesmo esquema de cenário.
RAPAZ: Alô.
ARTHUR: Alô. Aqui é o Arthur.
RAPAZ: Oi, corredor... Tudo bem?
ARTHUR: Tudo bem.
RAPAZ: Manda.
ARTHUR: Quer fazer a produção da peça de um amigo meu?
RAPAZ: ...
ARTHUR: Você vai curtir de montão! E eu pago bem...
RAPAZ: (Decidido.) Tudo bem, pode mandar ele me procurar.
ARTHUR: Aí a gente aproveita e se vê.
RAPAZ: Legal.
ARTHUR: Tchau, um abraço!
RAPAZ : Tchau. Um abraço pra você também...
CENA 21
Interior – noite. Palco.
Arthur está agradecendo os aplausos, segurando o coração.
ARTHUR: Hoje foi demais!!!
CAMAREIRO: Foi demais mesmo!
ARTHUR: (Sentindo o coração.) Ai...
CAMAREIRO: Que houve? Tá passando mal?
ARTHUR: (Recuperando-se.) Tudo bem...
CAMAREIRO: Tem que ver esse coração... Já vi você sentir esse negócio mil vezes. Um dia você vai...
ARTHUR: Mas ainda não é hoje!
CAMAREIRO: É falta de namorada!
ARTHUR: De novo essa história?
CAMAREIRO: Até você arrumar.
ARTHUR: Mas você não viu nos jornais?... Disseram que sou gay.
CAMAREIRO: Então, arruma um homem. (Riem.)
CENA 23
Exterior – noite. Ruas da cidade. Carro.
Arthur vai pensativo. Vários flashbacks da moça: Capítulo 1 – cena 6; Capítulo 2 – cenas 1 e 23; Capítulo 3 – cena 22.
CENA 24
Exterior – noite. Porta do apartamento de Arthur.
Arthur pensa que vê a moça, e vê. Resolve não ir atrás.
CENA 25
Interior – noite. Apartamento de Arthur.
O telefone está tocando. Arthur entra às pressas para atender. Do outro lado está a mãe. Mesmo esquema de cenário.
ARTHUR: (Ofegante.) Alô, alô!
MÃE: Oi, meu filhinho, é a sua mãezinha...
ARTHUR: Peraí, só um minutinho, mãe... (Tapa o telefone.) Será possível!? (Senta- se no sofá.) Fala. mãe...
MÃE: Não é nada não, meu filho... Queria saber de você. Há tanto tempo que a gente não se vê.
ARTHUR: Desculpe, mãe. Tô super ocupado essas semanas. Agora tô produzindo uma peça pro Miguel...
MÃE: (Possessa.) Pro Miguel?
ARTHUR: É.
MÃE: Mas não acho isso bom não, meu filho.
ARTHUR: Por quê, mãe? Miguel é o meu melhor amigo.
MÃE: Não acho isso bom. Depois as pessoas comentam...
ARTHUR: Comentam o quê, mãe?
MÃE: Ah, meu filho... Essa sua amizade com o Miguel às vezes...
ARTHUR: Tá maluca, mãe!? (Pausa longa.)
MÃE: Não sei como dizer isso pra você... Mas tem uma pergunta que eu tenho que te fazer... Se não quiser, não reponde. Ai, meu Deus... Não sei... No meu tempo...
ARTHUR: Diz logo, mãe. (Mãe invade o cenário de Arthur com o telefone na mão.)
MÃE: Arthur. Você é gay, meu filho? (Arthur desliga o telefone na cara dela.)
CENA 26
Interior – noite. Quarto de Arthur.
Arthur está dormindo agitado.
CENA 27
Interior. Fundo infinito. Sonho.
Cenário vazio com muita fumaça. Moça está com a roupa da primeira cena. Arthur está no cenário também.
MOÇA: Tudo bem?
ARTHUR: Tudo. Senti a sua falta. Você não apareceu mais. Nem nos meus sonhos...
MOÇA: Não tive tempo.
ARTHUR: Aparece mais...
MOÇA: Vou fazer o possível... Mas tô contente com você!!! Você se divertiu!
ARTHUR: ...
MOÇA: E divertiu o pessoal! (Moça vai saindo.)
ARTHUR: Fica um pouco mais. Pra matar as saudades.
MOÇA: Quando você menos esperar, eu volto...
CENA 28
Interior, noite. Quarto de Arthur
Arthur está dormindo, mas é um sono leve. Tateia a mesa de cabeceira e pega o espelhinho. Faz mira com o espelho na suposta imagem da moça no sonho. A moça surge no quarto, na direção em que ele projetou o espelho. Arthur, meio acordado, brinca de mudar ela de lugar. Quem nem quando a gente brinca com o reflexo do sol no espelho dentro de casa. Arthur acorda e a imagem da moça está lá refletida. Ele vai na sua direção. Dá-lhe um abraço, mas é só uma projeção. Ele atravessa a imagem dela. Fica meio desesperado. Sente o coração.
CAPÍTULO V
Personagens:
Arthur
Martha
Menino-Rapaz-Cláudio
Miguel
Moça
Participações:
Jornaleiro
Homem
Mulher
Jornalista
Motorista
Guarda
Pessoal do circo
Wagner Ribeiro
CENA 1
Interior – dia. Banheiro de Arthur.
Câmera travada. Arthur se olha no espelho do banheiro e dá, de vez em quando, umas olhadelas no espelhinho que a moça deu pra ele. Enorme passagem de tempo: o rosto de Arthur vai envelhecendo:40, 50, 60, 70, até chegar a uns 75, 80 anos. Enquanto vai acontecendo esta transformação, há uma fusão com várias imagens do pôr do sol em fast. Arthur passa as mãos no rosto, se acaricia.
ARTHUR: (Falando consigo mesmo.) Velho! Velho bobo! Palhaço! Chega de palhaçada, velho! Ninguém aguenta mais! Mesmo se aguentarem... Eu não aguento! Vamos esperar desencarnar em outro lugar! Um sitiozinho... Vidinha tranquila...Papinha... Mingauzinho... Enfermeira! Que maravilha! Uma enfermeira só pra mim. Gostosinha... Até parece, Arthur! Uma enfermeira eficiente!... Mas não precisa ser um bagulho também... Bom pra olhar... Admirar a natureza... (Olha pro espelhinho.) Paciência, paciência. Tô calmo, pode deixar.
CENA 2
Interior. Manchetes de jornal.
Flashs de revistas e jornais, está escrito: “Despedida de Arthur Gomes dos palcos e da TV”; “A vida de um monstro do humor”; “Quando a tragédia e a comédia se confundem com a vida”; “Arthur Gomes pendura as chuteiras”; “Mais de 50 anos dedicados à vida artística”; “Arthur declara: chega de palhaçada!”; “Já a venda em fitas de vídeo cassete a vida e a obra de Arthur Gomes, nas melhores casas do ramo”. Todas as manchetes vêm acompanhadas com fotos de Arthur.
CENA 3
Interior – dia. Apartamento de Arthur envelhecido.
Arthur passeia pela casa. Nas paredes tem fotos de Arthur em vários personagens. Com máscaras, de bigode, de barba, narigudo, orelhudo, e muitas caretas. Arthur aponta as fotos com a sua bengala, falando com o menino-rapaz-homem que se chama Cláudio.
ARTHUR: (Mostrando uma foto.) Essa foi do maior fracasso que aconteceu nos palcos cariocas, garoto...
CLÁUDIO: Arthur, para de me chamar de garoto. Fica até estranho... Meus filhos acham que você é maluco... Já basta aquela época que eu fiquei conhecido pelos atores como “O garoto do Arthur”. Eu morria de vergonha.
ARTHUR: Vou te chamar de quê?
CLÁUDIO: Cláudio. Eu me chamo Cláudio...
ARTHUR: Muito prazer, seu Cláudio. (Estende a mão.)
CLÁUDIO: Saco. Pode me chamar de garoto.
ARTHUR: O garoto que eu encontrei na escadaria...
CLÁUDIO: ... “Me deu um chiclete. E é como se fosse o meu filho...” Arthur, todo mundo já conhece essa história. Parece novela das 6.
ARTHUR: Eu gosto tanto de novela das 6... São mais calminhas. Não aguento aquela correria das novelas das 7. Nossa, Deus me livre! Agora, tudo bem. Só me dão papel de avô maluco... Mas uns anos atrás...
CLÁUDIO: Tem certeza que você não quer fazer uma peça? Um negócio na TV? Alguma coisa?
ARTHUR: Olha, vontade eu até tenho. Mas eu sempre sonhei em passar uns tempos no campo. Agora, se bobear, eu morro e não realizo esse sonho... Depois, eu acho tão chique “me despedir da vida artística”.
CLÁUDIO: Tudo bem, mas se der vontade de voltar e de fazer algum trabalho?
ARTHUR: Eu volto. Quantas vezes o Pelé se despediu do futebol?
CLÁUDIO: ...
ARTHUR: Então. Mas eu acho que não dá vontade mais, não. A preguiça é maior... Cansei... Enchi o saco...
CLÁUDIO: Tudo bem. E o que é que eu faço com esse apartamento?
ARTHUR: Não mexe nele. Vou ficar muito angustiado se eu souber que deu vontade de voltar e não tenho pra onde ir. Pior. Se tiver que ir pra um apart-hotel!
CLÁUDIO: Eu vou te visitar muito.
ARTHUR: Não faz mais que a sua obrigação.
CLÁUDIO: Agora eu tenho que ir. Vou ver o projeto da peça de um:pessoal novo...
ARTHUR: Vai, garoto, ser gaúcho na vida... (Ri dele mesmo.)
CLÁUDIO: Que piada sem graça.
ARTHUR: Feita por mim não tem graça... Mas ninguém imagina uma atriz fazendo isso a sério? Eu vi, ninguém me contou... (Volta a rir.)
CENA 4
Exterior – dia. Banca de Jornal.
Em uma banca de jornal bem bonita, colorida, cheia de revistas, Arthur leva um lero com o jornaleiro. Velhos conhecidos.
JORNALEIRO: Faz muito bem, seu Arthur. A gente ganha, ganha, ganha dinheiro. Um dia tem que aproveitar...
ARTHUR: E a casa que eu arrumei é uma beleza.
JORNALEIRO: Eu imagino. Tem que aproveitar...
ARTHUR: Nem que seja aos 75.
JORNALEIRO: (Corrigindo.) 80.
ARTHUR: Psiu! (Os dois riem.)
JORNALEIRO: Escreve! Apesar da banca, eu leio mal. Mas leio.
ARTHUR: Escrevo.
JORNALEIRO: (Tendo uma ideia brilhante.) Escreve um livro. Vai vender feito água...
ARTHUR: Detesto escrever.
JORNALEIRO: Manda alguém escrever. Todo mundo faz isso.
ARTHUR: Talvez seja uma boa ideia. Nem que seja pra ter alguém com a obrigação de me escutar...
JORNALEIRO: O senhor tem tanta história boa. Não esqueço nunca mais: daquela época que o senhor “foi gay”.
ARTHUR: (Desmunhecando.) Bons tempos aqueles... “Ai, como eu fui feliz”; “A Rainha”.
JORNALEIRO: Aí, hein? “Louca”! (Os dois rebolam e depois riem.)
CENA 5
Exterior – dia. Perto da banca de jornal.
Arthur passeia pela rua calmamente. Aos poucos um casal vai seguindo ele. Arthur percebe logo e apressa o passo. Fica com medo. O casal cochicha. Parecem suspeitos mesmo. Continua essa perseguição por mais de 20 metros. O casal finalmente o alcança. A mulher empurra o homem pra ele ir falar com Arthur. Arthur, apavorado, encosta-se no muro.
ARTHUR: (Acuado.) Que foi?
HOMEM: (Certifica-se de que é Arthur e dirige-se à mulher.) É.
MULHER: É?
HOMEM: É!
ARTHUR: É o quê?
MULHER: O senhor é o Arthur Gomes?
ARTHUR: Sou.
MULHER: Por favor, senhor Arthur, não morra. Fique vivo.
ARTHUR: (off) “O que se pode querer mais?” (Groucho).
CENA 6
Exterior – dia. Banco de praça.
Estão sentados no banco Arthur e Miguel. Miguel não aparenta a idade que tem. Tá bem esticadinho.
ARTHUR: Você tá ótimo!
MIGUEL: Depois da décima quarta plástica, se eu não estivesse... Eu processava o meu cirurgião!
ARTHUR: Fora a cara, que tô falando. O espírito...
MIGUEL: Bacana esse negócio de você se mudar pro campo.
ARTHUR: Faz uma coisa assim também. É ótimo.
MIGUEL: Comigo isso não dá certo. Sou muito ligado a cidade grande.
ARTHUR As mulheres...
MIGUEL Com paciência, ainda dá.
ARTHUR: Jura?
MIGUEL: Paciência e um certo esforço...
ARTHUR: Fez plástica lá também?
MIGUEL: Ainda não. Mas o resto... eu me sinto um Ciborg. (Sorri.) Isso aqui (mostrando os dentes) é tudo falso (Mostra o cabelo.) Implante...
ARTHUR: Tem olho de vidro?
MIGUEL: Não, são naturais. Também é só. Por que no rosto o que tem de plástico dá pra fazer uma bola de futebol (Mostra o nariz.) Plástico. (Mostra o queixo.) Plástico. (As maçãs do rosto.) Plástico! A papa em cima e debaixo do olho eu puxei as duas.
ARTHUR: Arredondou o bumbum?
MIGUEL: Arredondei. Tava baratinho. Fiz um pacote: bunda, peito e coxa.
ARTHUR: Você devia fazer logo um transplante de um cérebro de criança. (Caem na risada). Pelo menos parou de andar naquela moto ridícula?
MIGUEL: (Baixinho.) Artrite.
ARTHUR: (Baixinho.) E a bursite?
MIGUEL: O reumatismo.
ARTHUR: Próstata.
MIGUEL: Teve uma época que eu cismei com o tal do colágeno. Achei que ia ficar igual a Monique Evans... (Riem.)
ARTHUR: Não faz eu rir que me dá uma tremenda dor nas costas.
MIGUEL: Bico de papagaio?
ARTHUR: Sei lá. (Miguel levanta-se pra ir embora).
MIGUEL: Tenho que ir.
ARTHUR: Encontro com uma gata?
MIGUEL: Gravar o comercial.
ARTHUR: Esqueci que você é garoto propaganda.
MIGUEL: É o que sustenta as minhas plásticas.
ARTHUR: (De pé.) Não vai me dar um abraço? Se despedir? Pode ser que a gente não se veja mais...
MIGUEL: Primeiro: eu detesto despedida. Depois, duvido que a gente não se veja mais... Acho que a gente foi casado na outra encarnação... E tá resolvendo o problema nessa...
ARTHUR: Poxa, deve ter sido uma barra...
MIGUEL: Mas eu era o marido! (Riem, sentem dor e riem de novo.)
CENA 7
Interior – dia. Apartamento de Arthur.
A câmera começa num close da secretária eletrônica. Está marcando deis chamadas. Câmera corrige para Arthur abrindo a porta. Vai até o aparelho e aciona os recados. Ouvimos a secretária eletrônica.
VOZ DE CLÁUDIO: Arthur, preciso falar com você. Me liga urgente!!! Ah! É o garoto!
VOZ DE MIGUEL; Alô, alô? Arthur, é o Miguel. Preciso falar urgente com você.
VOZ ESTRANHA DE MULHER: Senhor Arthur, por favor ligue para o Senhor Cláudio assim que possível.
VOZ DE CLÁUDIO: Pô, ainda não chegou?! Onde você se meteu?! Bom, me liga. Tchau.
VOZ DE MIGUEL: Saco! Detesto essa máquina. Liga logo.
VOZ DA MOÇA. MUITO RUÍDO: Liga, Arthur, liga logo!
ARTHUR: Pronto. Morreu outro! Quem será dessa vez?!
CENA 8
Interior – dia. Sala de Arthur.
Arthur ao telefone. Fala com Cláudio, depois vão entrar Miguel, Martha e a Moça em linha cruzada. Isto quer dizer que todos estão no mesmo cenário.
ARTHUR: Alô. Garoto? O que aconteceu?
CLÁUDIO: Eu estive com o Miguel. E ele me deu uma ideia genial. (Ruído de linha. Entra Miguel na ligação.)
MIGUEL: Alô, Arthur?
ARTHUR: Começou a linha cruzada. (Para eles.) Gente, tá uma linha cruzada! Então fala cada um de cada vez...
MIGUEL: É o seguinte...
CLÁUDIO: Pintou...
ARTHUR: Um de cada vez!
MIGUEL: Fala, Cláudio.
CLÁUDIO: Você não quer se despedir da vida artística?
ARTHUR: Já me despedi!
MIGUEL: Mas uma despedida muito xoxa...
CLÁUDIO: Pois é, aí a gente pensou em aproveitar o circo que vai inaugurar. Pra você fazer um número.
MIGUEL: Vai ter um bando de artista legal. Vai ser uma festa...
CLÁUDIO: Aí, sim, vai ser uma despedida. (Entra Martha na ligação).
MARTHA: Vai, Arthur.
ARTHUR: Quem é agora?
MARTHA: É Martha!
ARTHUR: Martha? Que saudades...
CLÁUDIO: Depois vocês conversam.
MIGUEL: Vai se despedir sem nunca ter pisado num picadeiro?
CLÁUDIO: É como ir ao Egito sem ver as pirâmides.
MARTHA:Aceita, Arthur.
ARTHUR: Eu não aguento circo... Não tenho mais idade...
OS TRÊS: Que é isso?!
ARTHUR: Gente, pode ser uma fria... Acho que eu não vou não. (Ruído. Entra a Moça.)
MOÇA: Vai, Arthur.
ARTHUR: (Apavorado.) Quem é?
MOÇA: Sou eu, Arthur!
OS TRÊS: Eu quem?
ARTHUR: Ninguém.
OS TRÊS: E então?
MOÇA: Vai!
ARTHUR: Tá. (Pensa. Suspense para todos.) Tá legal, eu vou. Quando?
CLÁUDIO: Amanhã à noite.
ARTHUR: Amanhã? Não dá tempo.
MIGUEL: Dá, sim!
MARTHA: Você tem tanto número bom. Não precisa nem ensaiar...
ARTHUR: Precisa sim, Martha.
MARTHA: Deixa de frescura, Arthur.
MOÇA: Vem!!!????
ARTHUR: Vou!!! (Para si.) Deus me ajude! Vai ser um vexame.
OS TRÊS: Que nada. Vai ser uma farra! (Os três desligam.)
ARTHUR: Alô, alô! Você ainda está aí? Fala comigo! Alô!
MOÇA: Calma... Vai dar tudo certo... A gente se vê logo! (Arthur desliga o telefone. Pensa alto.)
ARTHUR: “Se vê logo”? Será que ela é a morte que veio me pegar?! (Isola na madeira.)
CENA 9
Interior – dia. Apartamento de Arthur.
Arthur experimenta várias roupas em frente ao espelho: um cavalheiro, um zorro, um rei, um pierrô, um palhaço. Não gosta de nenhuma. A sequência de trocas é rápida. Finalmente põe uma roupa de mulher esculhambada, com uns peitões e uma bundona enormes. Fica feliz. Começa a se maquiar e a pôr a peruca, rindo de si e satisfeito com o personagem.
CENA 10
Interior – dia. Apartamento de Arthur.
Arthur está vestido de mulher. Toca a campainha. Arthur hesita um tempo. Finalmente vai atender a porta com a roupa de mulher.
JORNALISTA: (Chocada.) Nossa! Que é isso?
ARTHUR: (Com voz de mulher.) Nada não, meu bem!
JORNALISTA: Eu queria falar com o senhor Arthur.
ARTHUR: (Voz de homem.) Sou eu minha filha!
JORNALISTA: (Ri de nervoso.) Atrapalhei alguma coisa?
ARTHUR: Não, nada. Mas o que a senhora deseja?
JORNALISTA: Fazer uma entrevista sobre a sua apresentação hoje no circo. Falar da sua vida...
ARTHUR: Marca com o Cláudio, meu empresário.
JORNALISTA: Eu tentei, ele disse que não dava...
ARTHUR: Então?! (Fechando a porta.)
JORNALISTA: Por favor. É a minha primeira entrevista grande. Pode ser a minha grande chance... Pode mudar a minha vida... Pelo amor de Deus... Por favor... Por gentileza... Por caridade...
ARTHUR: Calma. Eu dou! (Pensa. Olha-se.) Eu... Eu... Faço a entrevista mas tem que ser rápido, porque eu tenho que chegar cedo no circo pra conhecer o espaço.
JORNALISTA: Tudo bem. Vai ser rapidinha...
CENA 11
Interior – dia. Apartamento de Arthur.
Passagem de tempo. Os dois estão sentados. Arthur no sofá e a jornalista numa cadeira em frente, com um bloquinho na mão, anotando.
JORNALISTA: O senhor se sente um velho?
ARTHUR: Não, não me sinto, minha filha. Eu sou.
JORNALISTA: Sei... Quanto às suas preferências?
ARTHUR: (Olha-se.) Que preferências? Não vai vir com aquela história de gay de novo, né?
JORNALISTA; Não. Eu quero saber o que o senhor gosta mais de fazer... De fazer cinema, teatro ou televisão?
ARTHUR: Minha filha, que papo mais antigo... Bom, eu acho os três completamente diferentes... Aí a minha disposição fica diferente quando eu estou em cada um...
JORNALISTA: Como assim?
ARTHUR: Teatro você tem tempo pra fazer e depois tem uma temporada pra levar. E fora ter o contato direto com o público. É inédito. E só aquele público viu aquele espetáculo. Isso dá um ar especial àquela noite. Eu adoro!!!
JORNALISTA: E a TV?
ARTHUR: Na TV você lê o script no máximo três dias antes, decora e faz. Pra mim, é como se fosse um exercício. Uma brincadeira. E você sabe que milhões de pessoas estão te vendo pelo olho da câmera. Quando a gente consegue imaginar isso, fica muito divertido.
JORNALISTA: E o cinema?
ARTHUR: É tão pouco que se faz. Mas o que eu fiz tentei ser preciso! Um close pode significar muita coisa numa tela grande. Quando eu fiz, eu pensei em fazer um exercício de detalhes. Não deu muito certo... Foi mais ou menos... Queria ter feito mais.
JORNALISTA: E a sua mãe?
ARTHUR: Morreu.
JORNALISTA: Eu sei. Como era a sua relação com ela?
ARTHUR Depois de anos, eu descobri que eu aprendi o que é tragicomédia com ela. Ela era uma canastrona, sem medo de ser uma canastrona. Mas eu não quero falar sobre ela.
JORNALISTA: E o Cláudio, que o senhor chama de Garoto?
ARTHUR: Foi o filho que eu não tive. Eu escolhi.
JORNALISTA: E a Martha, sua primeira e única mulher?
ARTHUR: Deixa a Martha em paz. Ela tem a vida dela. (Pausa longa.)
JORNALISTA: O senhor acredita em Deus?
ARTHUR: Não!... Sim... Talvez... Prefiro não responder.
JORNALISTA: É místico, supersticioso?
ARTHUR: (Lembra da moça.) Acredito em fenômenos sobrenaturais.
JORNALISTA: Por exemplo?
ARTHUR: Na inflação... (Ri sozinho. jornalista fica sem entender.)
JORNALISTA:P Falando sério.
ARTHUR: Na minha vida eu tive um contato! Uma aparição! Um fenômeno! Ou talvez um delírio... Mas não escreve isso aí, não!
JORNALISTA: Agora é tarde demais. O senhor falou, eu vou publicar...
ARTHUR: (Indo pra cima dela.) Me dá esse bloquinho!
JORNALISTA: Não. (Fugindo.) (Começa uma perseguição na sala. Finalmente a jornalista consegue sair. Arthur vai até a porta gritando.)
ARTHUR: Volta aqui! Eu vou te processar! (Se toca da roupa. Fala em falsete.) Sua vagabunda, ordinária!!!
CENA 12
Interior – dia. Apartamento de Arthur.
Estão Miguel, Cláudio e Martha.
ARTHUR: (De mulher.) Tô indo...
CLÁUDIO: Vamos logo, Arthur.
ARTHUR: Calma, Garoto!!!
MARTHA: (Aos outros.) Agora ele vai esquecer alguma coisa.
ARTHUR: Esqueci! Esqueci a minha mala de maquiagem.
MARTHA: Pronto.
OS DOIS: Poxa! (Todos na porta. Vem Arthur com a mala, esbaforido.)
ARTHUR: Vamos.
CLÁUDIO: Vai comigo?
ARTHUR: Não vou com ninguém. Vou no meu carro com o meu motorista! Quero ficar sozinho...
MIGUEL: Tá legal. Então, vamos.
CLÁUDIO: Vamos.
MARTHA: A gente se vê lá. (Todos saem. Arthur volta e pega o espelhinho.)
CENA 13
Exterior – dia. Ruas da cidade.
O carro para num sinal. Arthur vê a moça igualzinha como ela estava no primeiro encontro. Ela faz um sinal de “ok”, “vai fundo”. O carro anda. Ela fica pra trás.
ARTHUR: Entra naquela rua.
MOTORISTA: É contramão.
ARTHUR: Entra logo! (O motorista entra e se desvia de alguns carros. Para.)
MOTORISTA: Não dá, seu Arthur!
ARTHUR: Tudo bem, fica aqui então. Eu já volto! (Arthur sai do carro.)
CENA 14
Exterior – dia. Ruelas do centro da cidade.
Arthur, vestido de mulher, tenta correr. A moça entra num prédio.
CENA 15
Exterior – dia. Prédio. Centro da cidade.
Silêncio. Arthur olha em volta. Está tudo vazio. De repente, ouve-se um espirro. Arthur corre nessa direção. É um beco.
CENA 16
Exterior – dia. Beco.
Arthur não aguenta mais o salto alto. Tira os sapatos e anda com eles na mão. É visto por um guarda. Fica com medo e se esconde.
CENA 17
Exterior – dia. Escadaria.
A moça está no topo da escada. Arthur já está meio morto. Parte pra cima da escada. Sobe um pouco, mas não aguenta. Fica puto.
ARTHUR; Para aí! (A moça para.) Você quer me matar? Quem é você, menina? Por que isso agora? Me deixa em paz... Você não acha que já chega?!
MOÇA: Acho!
ARTHUR: Então, me diz! Quem é você?
MOÇA: Calma.
ARTHUR: Perdi a calma! Ah, que saco!!!
MOÇA: Arthur, você está atrasado! (Começa a desintegrar-se.)
CENA 18
Exterior. Escadaria.
O motorista está no carro, ao lado de Arthur.
MOTORISTA: O senhor está atrasado.
ARTHUR: (Irritado.) Eu sei! (Sacando.) Desculpe, vamos... (Arthur entra no carro.)
CENA 19
Exterior. Ruas da cidade.
A moça está numa moto, na frente do carro de Arthur. Arthur saca.
ARTHUR: (Ao motorista.) Siga aquela moça!
MOTORISTA: Mas...
ARTHUR: Pode seguir. (A moto vai na frente, como se fosse um batedor.)
CENA 20
Exterior – dia. Em frente ao circo.
A moto chega na frente, logo atrás está o carro de Arthur. Assim que para, a moto com a moça desaparece.
CENA 21
Interior – noite. Camarim.
O camarim está repleto de flores. Arthur está hiper nervoso.
ARTHUR: (Nervoso.) Eu não vou! Eu não sei! Eu não posso!!!
CLÁUDIO: Para com isso, Arthur. Parece que está estreando a primeira peça no ginásio.
ARTHUR: É assim que eu me sinto. Cada vez fica pior!!! Eu achava que os anos, a experiência, iam melhorar isso. Mas só piorou!
MIGUEL: Pensa no povo que tá aí fora.
MARTHA: Quando entrar em cena você acalma... sempre foi assim...
ARTHUR: Hoje é diferente.
CLÁUDIO: Hoje é no circo. Pensa nisso! Olha que bacana!!!
ARTHUR: (Ponderando.) Isso é uma boa. Tenho direito. É a minha despedida.
CENA 22
Interior – noite. Circo.
Atrás do pano. Arthur está pulando. Ouvimos o barulho do povo lá fora. O ator que vai fazer o número com ele, Wagner Ribeiro, está pronto. Arthur tem uma cesta de flores na mão.Ouvimos off.
LOCUTOR OFF: Agora a atração principal da noite! O maravilhoso, o espetacular, o fantástico (pausa) Arthur Gomes!!! (Arthur saca o espelhinho da moça, olha e vê ela dizendo “tudo bem”. Entram.)
CENA 23
Interior, noite. Picadeiro do circo.
Arthur e Wagner fazem o número “Verde”. Wagner canta enquanto Arthur distribui flores para a plateia. O povo morre de rir.
CENA 24
Interior – noite. Picadeiro.
Aplausos demorados. Arthur agradece com a mão no coração. Sente um ataque. Cai sob os aplausos. Todos correm pra acudir, todos! Aos poucos Martha, Miguel e Cláudio afastam um pouco o povo. A moça aparece no meio deles. Só Arthur a vê.
CENA 25
Interior, dia. Picadeiro do circo.
A moça fala com Arthur. Ninguém vê ou escuta.
MOÇA: Agora vamos!
ARTHUR: Vamos pra onde?
MOÇA: (Apontando pro alto.) Pra lá!
ARTHUR: Tenho medo.
MOÇA: Não precisa.
ARTHUR: E o que eu vou fazer lá?
MOÇA: Vai fazer o povo rir.
ARTHUR: Quem?
MOÇA: Um pessoal que está muito preso à terra. A gente faz um circo! Um show! Um espetáculo. Eles se distraem e ficam mais leves...
ARTHUR: O que eu vou fazer?
MOÇA: A mesma coisa que você fez aqui! Você treinou bem...
ARTHUR: Eu não tô entendendo nada!
MOÇA: Tá, sim!
ARTHUR: Mas eu tenho que morrer?
MOÇA: Seu corpo é muito pesado!
ARTHUR: Mas eu tenho uma vida inteira pela frente... (Ri. A moça também ri.)
MOÇA: Vamos, Arthur?
ARTHUR: (Decidido.) Vamos! Espera só um minuto. (Saca o espelho da cesta e dá para Cláudio.) Garoto!...
CLÁUDIO: Arthur...
ARTHUR: Toma isso. Olha pra ele quando estiver muito confuso. Ajuda o pessoal... Diz pra eles se divertirem e divertirem o povo... É uma “missão”... (Vai fechando os olhos com um sorriso na boca.)
CENA 26
Interior – noite. Picadeiro do circo.
No movimento da grua, vemos o corpo de Arthur deitado, uma roda à sua volta. A câmera vai subindo como se fosse ele ou o fantasma dele.
CENA 27
Céu estrelado.
MOÇA:(off) Tá na hora, Arthur.
ARTHUR: (off) Eu tô nervoso.
MOÇA: (off) Rápido.
ARTHUR: (off) Eu não vou.
MOÇA: (off) Rápido.
ARTHUR: (off) Qualquer coisa eu paro no meio.
MOÇA: (off) Tá bom! Então vamos lá, minha gente! Bem-vindos ao circo etéreo!! (Som de multidão, música de banda de circo, gargalhadas, aplausos.)
ARTHUR: (off) Obrigada, obrigada. Hoje vocês vão ver... (Música.)