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Depoimentos – Pedro Cardoso

Textos publicados do Instagram @pedrocardosoeumesmo:

11 de abril de 2021

Chegam-me notícias do lançamento do livro O Demitido, reunião de textos do meu amigo, e parceiro de década, Felipe Pinheiro. Sugiro entusiasticamente que leiam! Eu teria tanto a dizer sobre as qualidades e a importância das ideias de Felipe que custa-me escolher o começo.

 

Talvez, a paixão pelo humor tenha sido a mais determinante de suas características. Felipe ria de tudo; e me ensinou a transcendência da comédia. Felipe e Mauro Rasi talvez tenham sido as pessoas mais devotadas ao humor q eu conheci. Felipe era um iconoclasta de si mesmo; jamais se idealizou. Felipe ria de todos os incidentes da vida. Felipe convivia intensamente com consigo mesmo, observando-se, punindo-se mas também presenteando-se a cada dessabor ou glória que ele mesmo se empunha. Dessa boa intimidade dele com ele, acredito que surgiram todos os personagens das histórias que ele inventou; sempre solitários mas generosos, como ele mesmo era também. Eu escrevi com Felipe 5 espetáculos de teatro, fui o primeiro público de muitas de suas ideias, mas não sei dizer exatamente nada muito preciso sobre ele pois nunca o compreendi muito bem.

 

Felipe, embora sem segredos, tinha o seu mistério. Não sei se o pude ajudar mas sei que ele a mim ajudou imensamente. Foi com ele que o teatro me deu boas vindas; foi com ele que aprendi a reverenciar o humor e que o humor e o drama são inseparáveis. A chegada de um livro com textos dele é motivo de alegria e justo registro da importância que ele tem para a cultura brasileira. Importância tamanha que faz a morte prematura dele parecer a cada dia mais prematura pela falta cada vez maior ele nos faz. Felipe devolveu a autoria do teatro aos atores num tempo em que o teatro andava dominado pelo autoritarismo de diretores incensados. Devemos a ele conhecermos a nossa liberdade. Felipe foi o melhor aluno do mestre maior do teatro brasileiro: Amir Haddad. Que bom ter a irmã dele, Teresa, reunido os textos de Felipe em livro. Mesmo bom! Leiam. O demitido; já o título é tão eloquente! Da falta que ele me faz, é testemunho o meu silêncio; luto que jamais termina.

6 de dezembro de 2023

Bom dia. Penso que toda pessoa fala da dor que sente. Ou finge. Ou mente. É difícil falar da dor desconhecida do outro; e mais difícil ainda quando a dor é desconhecida até mesmo pelo outro que a sente. Tenho em mãos o belo livro que traz os textos ficcionais de Felipe Pinheiro.

 

Felipe era meu amigo, parceiro e ídolo. Escrevemos juntos 5 espetáculos de teatro e outras eventualidades. E Felipe morreu. 33 anos, ele tinha. O livro traz textos afetuosos de Fernanda Torres, Angela Rebello e Tim Rescala, nos quais elas e ele dizem, sobre o nosso amigo, tudo o que eu diria. E traz um texto de Amir Haddad no qual ele localiza o parentesco entre a arte de Felipe e as preocupações de ninguém menos do que Bertold Brecht.

 

Os 4 textos fotografam perfeitamente a pessoa e as circunstâncias em que Felipe viveu e criou a sua exuberante, inigualável, comédia. São textos eloquentes, que dizem muito; eu nada tenho a dizer que diria melhor. Mesmo porque, seja o que for que eu dissesse, estaria ainda falando da minha dor de o haver perdido; e, dessa dor minha, não quero falar. A dor que me cala a minha é a dele. Da dor dele é que eu queria falar. Essa dor da qual também não falo porque a desconheço. Desconheço por ser dele, dor da qual ele não falava mas fazia piadas; e por isso eu sei que ela doía. Estive com Felipe na tarde da noite em que ele se eternizou. Ele me pediu companhia. Fiquei as horas que pude mas o deixei. E ele morreu. Se eu tivesse ficado, Felipe estaria vivo; disso eu sei pois o teria socorrido a tempo. Sei hoje mas eu não sabia no dia. Como saberia? Nem ele. Mas essa é ainda a minha dor; e me calo. Não é da minha dor, ou da dor de alguém, que eu quereria falar. Mas da dor dele. A dor que ele viveu e a dor que ele não viveu. Mas dessas dores, eu nada sei.

 

A morte de Felipe foi um acidente existencial impensável! A perda de um amigo brilhante sobre a qual eu nunca soube o que dizer. Mas bem me fez haverem organizado o livro dele, e Fernanda, Angela, Tim e Amir terem escrito. Que bom haver registro e elogios à arte do Felipe! Que bom que o leiam! “Sem humor, até o amor fica sem graça”; deixo aqui essa máxima do Felipe. Ela diz tudo.

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