MAMÃE HOJE EU TÔ PREGADO
Contraluz alaranjado (pôr do sol). Vemos uma cruz suspensa no ar . Não dá para ver Jesus nela, já que a luz não é de frente. Ouvimos cada vez mais alto Aleluia, enquanto entra lentamente Maria da Costa com seu belo manto na cabeça escorrendo até o chão. Exausta, ela para diante da cruz. Ilumina-se a frente e vemos os dois.
MARIA: Que foi dessa vez?
JESUS: Mãe, hoje tô pregado. Mas tô pregado mesmo, que dia...
MARIA: O que foi que você aprontou dessa vez, Jesus? Ai meus Deus do céu!
JESUS: Pois é, desde ontem eu tô tentando entrar em contato com o pai...
MARIA: José?
JESUS: Não, o PAI, mãe. Já te disse que esse José é meu padrasto.
MARIA: Ah, o HOMEM? (Aponta para o céu.)
JESUS: É. Eu sabia que hoje ia ser um dia de cão, mas não tinha ideia, a barra... Primeiro o Judas me deu um beijo de manhã...
MARIA: Esse Judas nunca me enganou. Aquilo é fruta...
JESUS: Deixa eu acabar de falar, mamãe. Eu também sempre achei ele meio gay, achei que ele tinha desenrustido e tudo bem.
MARIA: Meu filho, eu sempre te falei, larga essas más companhias, você não me escuta... Cadê aqueles cabeludos agora? Tudo mal-agradecido. Lembra aquela beleza de milagre da multiplicação dos peixes e dos pães? Aquela gente comeu tudo feito uns porcos. Mas agora que você teve esse dia de cão e tá pregado aqui, eles somem...
JESUS: Tão com medo, mãe.
MARIA: É tudo covarde meu filho. O Pedro ficou negando feito um maricas. Eu tive que acionar o galo para dar um susto naquele moleque. Mas como você chegou ao ponto de ficar pregado dessa maneira?
JESUS: Posso falar?
MARIA: Fala logo que eu tenho que dar a janta pro José. Ele tá arrasado. A vizinhança tá debochando dele o dia todo. Só chamam o pobrezinho de corno...
JESUS: Bom, rolou o beijo. Aí de repente tinha um bando de romanos me prendendo. Mãe, esses romanos são muito loucos. Primeiro me puseram essa fralda ridícula, e toca a levar chicotada. Um maluco disse que era rei, fiquei achando que o cara ia dar uma folga, e o cara me tacou essa coroa de espinhos filha da mãe. Doeu pacas. Aí fui pra praça e o Pilatos me pôs do lado daquele batedor de carteira...
MARIA: O Barrabás?
JESUS: Esse mesmo. Aí mandou a galera que tava na praça escolher entre mim e ele pra essa via-cruses. Eu apontava pro
povo: “Escolhe ele”, mas neguinho gritava que tinha que ser eu. Pilatos tomou aquele banho “PIA”, lavou as mãos e soltou
o Barrabás...
MARIA: Que perigo deixar aquele vigarista solto. Só lavou as mãos?
JESUS: Só.
MARIA: É um porco mesmo... E aí?
JESUS: Me deram essa cruz e me puseram pra andar por Jerusalém de cima pra baixo. Essa cruz é pesada pra caralho...
MARIA: Não gosto de nome feio.
JESUS: Ah, mãe, dá uma folga, eu tô pregado.
MARIA: Não é desculpa. Eu te dei educação...
JESUS: Desculpa. Mas andei com essa cruz pesada pacas e levando porrada...
MARIA: Jesus!
JESUS: Desculpe. Nem precisava me pregar, eu já tava pregado de carregar a cruz. Dei um descanso, fingi que tinha tropeçado. Aí apareceu o João pra me dar uma força. Eu sussurrei pra ele: “Deixa, João. Tô só dando um tempo”, mas ele não ouviu e voltei a andar...
MARIA: O João é surdo feito uma porta...
JESUS: Aí pintou a Madalena.
MARIA: Aquela vagabunda...
JESUS: Mãe, ela é legal.
MARIA: Tá bom. Pensa que eu não sei da pouca-vergonha que vocês fazem? Deixa pra lá... E aí?
JESUS: Ela veio com a invenção de uma polaroide.
MARIA: O que é isso?
JESUS: É uma máquina fotográfica instantânea. Tirou uma foto horrível minha e disse que ia durar 2.000 anos.
MARIA: Essa zinha não dá ponto sem nó. Tenho certeza que ela vai vender essa porcaria por uma nota.
JESUS: Aí eu acabei aqui. Pregão.
MARIA: Também, depois de um dia desse. Só podia estar pregado mesmo. E do lado de vagabundo, bandido.
JESUS: Os caras são legais, mãe...
MARIA: Que nem aqueles hippies que ficaram vagando com você por aí?
JESUS: Eles são apóstolos.
MARIA: Pra mim é tudo drogado, vagabundo.
JESUS: (Olha o céu.) PERDOA, PAI, ELA NÃO SABE O QUE FALA.
MARIA: Eu? Maldita hora que aquela pomba pareceu lá em casa. Disse que não ia doer nada e coisa e tal... Não sei onde eu tava com a cabeça quando deixei acontecer isso tudo. Agora fico eu aqui e você vai encontrar o tal do PAI.
JESUS: Você vai ascender.
MARIA: O que é isso?
JESUS: Vai voar... Subir aos céus.
MARIA: Jesus, você sabe que eu tenho medo de altura. Não gosto desses milagres que você inventa. Não basta aquela
vez que você andou sobre as águas? Fiquei com o coração na mão, você não sabia nadar... Não inventa, Jesus. Prefiro
até aquelas arruaças no mercado. Mas esse tipo de maluquice, pelo amor de Deus.
JESUS: Ah, daqui a três dias eu volto.
MARIA: Mais essa. Não me apareça, por favor. Pra mim, morreu, morreu.
JESUS: Tá legal. Eu não apareço pra você, nem pro Tomé...
MARIA: Ah, coitado do Tomé. Não entendo essa implicância que vocês têm com ele, um rapaz tão direito. Não é que nem os outros malucos que acreditam em tudo o que você fala. Mas faz o que você quiser. Quer gozar com a cara do rapaz, goza... Bom, o papo tá muito bom, mas eu tenho que fazer a janta pro seu “padrasto”. Vai com Deus.
JESUS: Claro, né, mãe.
MARIA: Claro, claro. Não sei como você pode ser tão bonzinho com esse PAI que te deixa aí pregado. A gente cria
os filhos e depois eles ficam malucos e a gente não pode fazer nada... (Jesus fechou os olhos, “morreu”. Maria saca que tá falando sozinha.)
MARIA: Podia ter ao menos se despedido... Tá perdoado, meu filho... Depois desse dia, só podia acabar pregado mesmo. (Olhando pro céu.) E não vai aprontar mais lá no céu, menino! (Para a plateia.) Ser mãe é padecer numa terra poeirenta.