top of page

Depoimentos – Textos

Felipe Pinheiro

Felipe, o menino que conheci

Faz muito, muito tempo, mas ainda me lembro. Era um apartamento em Londres com um tapete grosso e amarelo cobrindo todos os comodos. Por ele transitavam os mais diversos tipos de pessoas, trazendo novidades daquele Brasil que existia nos anos 70. Uma delas era Teresa, adolescente de 18 anos  que estudava Psicologia em Louvain. Tinha um irmão de 12 anos chamado Felipe, que,ás vezes, enviava os resumos da novela O Primeiro Amor. Eu costumava assisti-la e gostava do jardineiro vivido por Nanini. A mim parecia um personagem além de novelas.

Essa foi, portanto, a primeira impressão que me chegou de Felipe. Por via aérea. Sim, eu gostava de novelas. De teatro e cinema também. Por um desses caminhos que a vida traça à revelia, o menino viria a se tornar, num futuro impreciso e inimaginável, colega de profissão de Nanini e da classe artística. Depois de sua estreia, aos 18 anos, em Do Pau Brasil ao Nescafé, não parou mais.Um talento em moto contínuo. E não foi a vida que o parou.

 

Era um menino que nos fazia rir, gargalhar, até. Seu senso de humor era fulminante, á flor da pele, repentista. Via o lado ridículo e sublime da vida. Seu encontro com o teatro foi definitivo, estava á espera dele. Essa sempre foi minha impressão pessoal. Certa vez, no apartamento em que morava com Teresa, topamos com um embrulho esquisitissimo encostado rente à porta de serviço. Não deixava dúvidas sobre o destinatário. Aqulo nos intrigou. Um vodu? Um trabalho do mal? Melhor não encostar na coisa. Quando Felipe chegou e tomou conhecimento da nossa aflição, não pensou duas. vezes. Furibundo e emputecido, despachou o embrulho no lixo do corredor, como se dissesse "duas marmanjas com medo de um pacote".

Lembro de ter dado a ele, presente de aniversário, o disco "Berlin To Broadway", com canções de Kurt Weill e Brecht. Ele gostou e disse que faria a adaptação. Fez? Não sei. Acho que não. Mas , se tivesse, teria sido mais um sucesso. Eram idéias e projetos demais jorrando de sua mente, tão criativa e inesgotável, e que as vezes buscava trégua no final do longo corredor do apartamento da rua Dezenove de Fevereiro. Ele desembocava num dos quartos, território onde Felipe dançava com pernas, unhas e dentes. Ás vezes Felipe era um príncipe, as vezes Felipe era um malandro brechtiano. Tanta vida interior, tanta criatividade, não dava pra esperar que fôsse um cara "tranquilão".

O teatro, com obras criadas por ele, pode ter sido também - eu não sei - um instrumento de cura de eventuais dores, porque o palco - dizem - promove felicidades e plenitudes. Tão pouco tempo vivido e Felipe aconteceu e ficou. O filme O Judeu, que ele nao pôde assistir na íntegra, trouxe um homem maduro, muito bonito e intenso, mostrou a outra face da moeda, junto à trajetória de comédia no teatro, na TV e nos comerciais.

Sua carreira de sucessos eu acompanhei de longe, pelos jornais, tv e noticiário em geral. Não se pode explicar o porquê das associações que criamos, para melhor memorizar coisas aparentemente tão díspares, por isso, em algum momento, eu o vejo um pouco como o jardineiro de Nanini, sobre quem ele mandava resumos da novela da época.. Sei lá porque. Talvez porque Felipe tenha cultivado, ao invés de flores, gentes, afetos e fidelidade aos seus pensamentos e idéias. Tudo isso foi breve mas vingou. Um pouco como a vida, nem sempre uma existência longa é uma graça. A sentença que ficou é simples e de fácil compreensão - Felipe Pinheiro faz imensa falta.  Bem vinda a tecnologia que nos permite reve-lo a qualquer momento. 

Lilian Newlands

bottom of page